"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 5 de abril de 2011

Cultura na América colonial

Virgen del Apocalipsis, Miguel Cabrera

* América espanhola. Como diz o sociólogo e poeta mexicano, Octavio Paz: "A Nova Espanha não procura, nem inventa: aplica e adapta. Todas as suas criações... são reflexos das espanholas."

O catolicismo introduzido na América, principalmente pelos jesuítas foi um catolicismo já contestado pela Reforma protestante: morto, fechado, dogmático. Para as camadas dirigentes da nova sociedade, continuaria a existir esse catolicismo petrificado. Para as camadas populares, existiria esse catolicismo, fé dos simples, com elementos incorporados das outras religiões pré-coloniais.

"Essa ideologia de guerra santa fez com que nunca houvesse propriamente missão na América Latina: houve conquista, implantação da religião dominante. Missão e conquista são irreconciliáveis. Foi por causa de uma ideologia que os portugueses, vindos para cá, as mais das vezes humildes comerciantes, deixaram de ser tolerantes para com os índios". (HOORNAERT, Eduardo. Formação do catolicismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 32-3.)

Da cultura jesuítica nasceu o Barroco, representando antíteses formais que reafirmam e negam a duplicada sociedade colonial espanhola: renascentista e feudal, cristã fervorosa e pagã, onde se encontram cavaleiros empobrecidos buscando prestígio e fortuna ao mesmo tempo assassinando índios e rezando ao senhor. A cultura barroca reproduz, sendo ela hermética, o próprio fechamento da sociedade colonial aristocratizada.

Já no século XVIII, alguns espíritos mais lúcidos, como sóror Joana, poetisa e entendida em Ciências (ou pelo menos como era entendida a generalidade de conhecimentos no século XVIII), dentro dos próprios fundamentos estéticos do Barroco, tentariam livrar-se desta literatura aristocratizada e extremamente formal.

"El barroco es sólido y pleno; al mismo tiempo es fluido, fugitivo. Se congela en una forma que, un instante después, se deshace en una nube. Es una escultura que es una pira; una pira que es un montón de cenizas...

España adoptó pronto el nuveo estilo y le dio un brillo inusitado en todas las artes, de la poesia a la pintura y la arquitectura. Nueva España la siguió y no tardó en rivalizar con la metrópolli, a veces con fortuna, sobre todo en el dominio de la poesia y la arquitectura. El último gran poeta barroco de nuestra lengua nació en México. Doblé singularidad en la historia de ese estilo hecho de singularidades, fue mujer y fue monja: Juana Inés de la Cruz." (Octavio Paz: El águilla, el jaguar y la Virgen)



Cristo coroado de espinhos, Bento José Rufino Capinam

"Apesar do rígido controle exercido pela Igreja, reforçado pela atuação da Inquisição, a permanência de tradições culturais que remontavam aos astecas e aos incas foi uma constante, particularmente nos casos do México e do Peru. Essa permanência se manifestou por meio dos cultos indígenas, que eram duramente perseguidos pelas autoridades eclesiásticas das colônias". (MARQUES, Adhemar. Pelos Caminhos da História. Curitiba: Positivo, 2007. p. 158. Volume 1.)

* América portuguesa. Nos primeiros séculos da colônia a vida cultural era extremamente pobre. Os poucos elementos intelectualizados eram os religiosos, principalmente os jesuítas. O seu conhecimento puramente erudito e livresco só tinha uma finalidade: converter os índios para a fé cristã e compensar, assim, as perdas que a Igreja Católica havia tido na Europa com a Reforma protestante. Foram os jesuítas os educadores dos indígenas e filhos de colonos durante os primeiros séculos da História brasileira. O seu ensino fornecia o conteúdo ideológico necessário à obra de colonização. Não perturbava a estrutura social vigente e justificava religiosamente o domínio dos senhores sobre os escravos. Na primeira obra de colonização mental, os jesuítas utilizavam o teatro e os sermões.

"A cultura colonial brasileira foi fortemente marcada pela religiosidade católica. Na antiga Terra de Santa Cruz, integrante do chamado Império de Deus por Portugal, a difusão dos valores cristãos foi sempre um referencial fundamental tanto do pensamento quanto das expressões artísticas. Numa época em que o acesso à leitura era extremamente limitado, e normalmente restrito aos membros do clero, a palavra evangelizadora e as mensagens visuais constituíam os principais meios de difusão cultural. Assim, ao lado da catequese de indígenas e africanos, a arquitetura das igrejas e mosteiros e as pinturas e esculturas sacras formavam o núcleo da cultura europeia que tentava se estabelecer no Novo Mundo e que ia sofrendo as influências do novo meio". (CAMPOS, Flávio de; DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1993. p. 20.)

Através dos textos de viajantes obtiveram-se muitas informações a respeito da cultura colonial, pois eles fizeram algumas obras onde descreviam as regiões visitadas e as populações encontradas. Muitos dos relatos destes viajantes, como, por exemplo, Fernão Cardim e Hans Staden, são hoje utilizados como fontes de estudos etnológicos e históricos.

Merecem destaque autores como Bento Teixeira, que escrevia segundo os modelos do seiscentismo português e o poeta Gregório de Matos, representante do Barroco "brasileiro" que reflete bastante os costumes da época. A sua poesia satírica, no dizer de Bosi, atingiu um alto nível artístico. Ironizava os poderosos da colônia, mas ao mesmo tempo desprezava as camadas subalternas.

Com a mineração no século XVIII, surgiu na literatura o Arcadismo. Apesar da inspiração portuguesa, com seus temas pastoris e bucólicos, os árcades da escola mineira, conforme Werneck, mal disfarçavam um interesse inequívoco pela terra e sua gente.

"[...] O que existia em nossa terra antes da chegada dos europeus era um tipo de cultura que se transmitia de forma oral [...], através dos mitos e ritos religiosos que os pajés e os homens mais velhos de cada tribo conservavam. [...]

Contudo, foi a partir do período colonial que se formou nossa nacionalidade em termos culturais. Os responsáveis pelo controle e pela difusão do conhecimento moderno e letrado nessa época estavam, em sua totalidade, a serviço dos interesses dos colonizadores. [...]


[...]


A cultura popular viceja sempre. Foi no período anterior à chegada dos europeus que os índios forjaram a tradição de lendas e costumes que ainda hoje estão por aí espalhados, modificados como a história do saci-pererê ou temperados pela mão africana como as canjicas e os munguzás. [...] Os caboclos e mulatos brasileiros, herdeiros dessa cultura, com as influências da tradição lusitana, mesclaram tudo isso nas festas de São João, nos reisados, nos maracatus, nas capoeiras, nos sambas, na macumba, na poesia popular de cordel." (ALENCAR, Chico et alli. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 45-46.)



Peregrinos indo à Igreja, George Henry Boughton

* América inglesa. Os controles social e político da metrópole inglesa foram elásticos até o século XVIII, possibilitando a emigração de uma série de seitas protestantes, que, perseguidas na Velha Europa, procuravam o Novo Mundo, onde havia liberdade de culto. Pessoas de nacionalidades diferentes emigraram, então, para a América. Em consequência, surgiu um tipo de cultura colonial, com características muito específicas: mescla de religião e síntese de culturas diversas, exceto as culturas negra e indígena, que foram marginalizadas pelos próprios colonos europeus.

"A educação formal escolar adquiriu um caráter todo especial nas colônias. A existência de muitos protestantes colaborou para isso. [...] Tal como Lutero traduzira a Bíblia para o alemão e os calvinistas para o francês em Genebra, os ingleses tinham várias versões do texto na sua língua [...]. 

Essa preocupação levou a medidas bastante originais no contexto das colonizações da América. É certo que em toda a América espanhola houve um grande esforço em prol da educação formal. A universidade do México havia sido fundada em 1553 e havia similares em Lima e em quase todos os grandes centros coloniais hispânicos. No entanto, um sistema tão organizado de escolas primárias e a preocupação de que todos aprendessem a ler e escrever é algo mais forte nas colônias protestantes do Norte.


Em 1647, Massachusetts publica uma lei falando da obrigação de cada povoado com mais de cinquenta famílias em manter um professor. [...]


[...]


Um grupo que se pretendia eleito por Deus deveria voltar-se também para a educação superior. As instituições de caráter superior faziam parte dessa preocupação com a religião, já que se destinavam notadamente à formação de elementos para a direção religiosa das colônias.


[...]


O grande interesse pela educação tornou as 13 colônias uma das regiões do mundo onde o índice de analfabetismo era dos mais baixos. Apesar das variações regionais [...] e raciais [...], as 13 colônias tinham um nível de educação formal bastante superior à realidade dos séculos XVII e XVIII, seja na Europa ou no restante da América. Ainda assim, é inegável que havia mais alfabetizados brancos homens e ricos do que mulheres, negros, indígenas e pobres." (Leandro Karnal. A formação da nação. In: KARNAL, Leandro (org.). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2010. p. 47-48, 50.)



Referências:
ALENCAR, Chico et alli. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 45-46.
CÁCERES, Florival. História da América. São Paulo: Moderna, 1986. p. 36, 51 e 59.
CAMPOS, Flávio de; DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1993. p. 20.
HOORNAERT, Eduardo. Formação do catolicismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 32-3.
KARNAL, Leandro (org.). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2010. p. 47-48, 50.
MARQUES, Adhemar. Pelos Caminhos da História. Curitiba: Positivo, 2007. p. 158. Volume 1

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