"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Quem tem medo da História?

Forças de permanência. O czar Nicolau II e sua esposa Alexandra são coroados na Catedral da Assunção, ao lado do Kremlin, em 26 de maio de 1896. Pintura de Valentin Serov.

Forças de transformação. Trabalhadores, despertai!, de Valentin Serov.

Para respondermos a uma questão como essa, precisamos fazer uma análise de consciência: Quem somos nós?

Somos homens e mulheres que, neste começo de século, vivemos no contexto da Civilização Ocidental.

E essa circunstância encerra um significado bastante importante: vivemos uma época de crise, uma crise global que envolve todos os aspectos de nossa vida - uma crise econômica, uma crise política, uma crise das ideias, uma crise da Ciência, uma crise de sentimentos... enfim, uma crise do Homem.

Você sente e percebe esta crise no seu dia-a-dia?

Por que isto está acontecendo?

Esta crise é vivida por nós bastante dolorosamente. Mas essa dor precisa ser, antes de tudo, compreendida, para que possamos superá-la, principalmente, porque ela não é individual, mas social, coletiva.

Vamos, então, procurar compreender nossa existência, nossa vida nessa circunstância?

Viver um momento de crise significa viver um momento de mudanças, de contrastes, de busca de soluções, de substituição de um mundo de incertezas por outro, onde os valores sociais anteriores, já sem significação, não respondem aos nossos anseios. É todo um processo de transformação integral, e tão rápidas e tão profundas são as transformações que nos sentimos muitas vezes abalados. Nossas ideias e sentimentos são a todo instante questionados, muitas vezes sentimos tristeza, desânimo, apatia - é como se nos faltasse uma integração interior, como se nosso centro de força não mais nos pertencesse: está sempre fora, nos padrões e valores que, espera-se, cumpramos satisfatoriamente. No entanto, esses padrões e valores perderam o sentido, como que se esvaziaram, e ainda não existem outros para substitui-los...

É natural que tal situação provoque medo por toda a insegurança e ansiedade que gera e por tudo que pode trazer de novo, e o novo sempre assusta...

Mas, pense conosco... Se estivéssemos realmente conscientes dessa situação e se fôssemos, nós, os construtores desse novo, precisaríamos temê-lo tanto?

Se pudéssemos com facilidade responder: De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Enfim, se fôssemos os senhores dos nossos destinos, precisaríamos tanto temer a vida?

A vida é transformação, e não devemos temê-la por isso. Precisamos, sim, lutar contra tudo que procura deter a vida, deter a transformação. Precisaremos sempre lutar contra as forças de permanência... Este será sempre o nosso desafio: nossa maneira de ser e de viver está condicionada pela estrutura da sociedade em que vivemos, e o desafio que precisamos enfrentar serão as forças de permanência e de mudança que condicionam nossa maneira de agir e de pensar.

Agora, podemos responder a nossa questão inicial: Quem tem medo da História?

Podemos dizer que quem precisa ter medo da História são aqueles que representam a permanência, ou seja, aqueles que, agarrando-se a privilégios econômicos e políticos, pretendem manter o poder de decisão sobre a vida da maioria das pessoas, as quais desse modo, permaneceriam desumanizadas, oprimidas...

E quem seriam aqueles que não precisam ter medo da História?

Para aqueles que captam a premente necessidade de construção de um novo Mundo, onde seja menos difícil amar, a História, como vida e transformação, traz uma mensagem otimista: a própria dicotomia opressores versus oprimidos traz em si o germe da mudança, e toda dificuldade, incompreensão, medo são, na verdade, doenças que, exigindo uma cura, farão os homens tomarem consciência de sua situação e compreenderem a importância da luta para a construção de um novo Homem e de um novo Mundo... Em outras palavras, aqueles que, conscientes e fiéis à sua fé nos homens, fazem de seu estar vivendo um ato de amor e encontro com os outros homens, não precisam temer a História, a vida, a transformação...

E como podemos abandonar o medo e chegar ao amor?

Veja se você recorda... Da conscientização dos homens de suas necessidades mais reais e vitais, tanto materiais quanto emocionais, depende a construção de um novo Mundo...

É nesse sentido que James Joyce disse em versos: "Ó vida! Pela milésima vez (...) vou forjar na ferraria de minha alma a consciência incriada de minha raça."

Assim, podemos compreender melhor que, quando falamos em conscientização, queremos deixar clara a ideia de que construir um novo Homem e um novo Mundo implica a construção de nossa consciência como homens de uma sociedade...

E como devemos fazer isso?

Se desejamos compreender nossa maneira de manifestar vida, precisamos estar atentos ao modo como conseguimos os bens necessários à sobrevivência - alimentação, habitação, vestuário etc.

Por quê?

Você não acha que esse é um dos aspectos mais importantes da nossa vida?

A maioria das pessoas passa a maior parte de seu tempo trabalhando. E não é o trabalho o verdadeiro agente da transformação?

Trabalhando, nós transformamos os elementos encontrados na Natureza em produtos úteis à sobrevivência. Trabalhando, nós estabelecemos relações com os outros homens. Assim, podemos dizer que, através do trabalho, do processo de produção, os homens estabelecem determinados vínculos econômicos, sociais, políticos e ideológicos.

Agora, responda: Qual é, hoje, a forma de sobrevivência da maioria das pessoas em nossa sociedade?

Nossa forma de sobrevivência tem por base o trabalho assalariado. E vivemos no sistema capitalista. Será que os homens sempre viveram dessa maneira?

Não! Claro que não!

AQUINO, Rubim Santos Leão de et al. História das  sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2008. p. 10-12.

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