"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Pizarro: analfabeto, sanguinário e audacioso

Pizarro: analfabeto, sanguinário e audacioso

"A espada, a cruz e a fome iam dizimando
a família selvagem".
(Pablo Neruda, poeta chileno)

Os eurocentristas procuram evitar qualquer tipo de identificação com a América pré-colombiana, apelando para as carnificinas patrocinadas pelos astecas ou pelos incas, à sua impiedade com os inimigos, aos rituais de sangue, colocando a violência dos espanhóis como uma resposta à violência dos americanos.

Os conquistadores passavam o tempo assando prisioneiros em grandes grelhas instaladas em praças públicas, brincavam de tiro ao alvo em crianças, enforcavam os índios nas comemorações religiosas (quanto mais importante era o santo, maior o número de mortos nesse ritual macabro).

Faziam despedaçar mulheres vivas pelos selvagens cães de guerra, mediam o peso e o fio da espada cortando as cabeças dos indígenas, gastavam o ouro e a prata roubados durante os saqueios das populações indígenas apostando quem conseguiria abrir um índio, vivo e de pé, ao meio.

Que tipos de homens eram aqueles que matavam num piscar de olhos, mas eram capazes de penetrar e sobreviver em plena selva amazônica procurando o El Dorado, uma mítica fonte de ouro líquido, protegida supostamente por belas e virgens mulheres guerreiras?

Aqueles homens, famosos por suas perversões sexuais, que faziam com que as mulheres preferissem se suicidar a cair em suas mãos, pois seriam repetidamente violentadas pelas tropas invasoras, suportavam os ventos gelados dos Andes ou o calor sufocante das selvas. Aquelas pessoas venciam a sede, a fome, as flechas dos índios, procurando um metal amarelo, sem muita utilidade para os americanos.

Os conquistadores transportavam a cruz e a espada através da América. A cruz para catequizar pagãos, para afugentar o diabo, para crucificar os índios. A espada para vencê-los. É difícil encontrar uma definição para aqueles homens que, em nome da religião e levados por uma cobiça de aves de rapina, destruíram povos e civilizações em território americano.

O mais sanguinário dos conquistadores espanhóis chamava-se Pizarro. Parte para o Panamá com mais de 50 anos para fazer fortuna, decidindo-se pela conquista do Peru. Será acompanhado por Almagro, que fora abandonado pela mãe na porta de uma igreja. Ignorante como Pizarro, fazem uma dupla perfeita: audaciosos, ambiciosos, valentes, inescrupulosos, dispostos a tudo. O Peru encontra-se numa guerra civil entre dois irmãos que pretendem o trono, o que facilitará a conquista.

Na primeira grande batalha contra o vencedor da guerra civil, Atahualpa, inexplicavelmente, ignominiosamente, tendo tudo a seu favor, rende-se sem lutar, repetindo as atitudes de Montezuma. Pizarro efetua a primeira carnificina. Cento e oitenta homens, com armas de fogo, sacrificam dez mil índios para servir de exemplo. O Império Inca, extremamente centralizado, derruiu quando o poder foi transferido do Inca para Pizarro.

O resto da história é bem conhecido. Primeiro, Pizarro promete ao Inca sua liberdade em troca de uma sala repleta de ouro. Apesar da entrega do metal precioso, o imperador é queimado na fogueira. Seu sucessor, Manco-Capac, se refugia nos Andes e mantém a resistência até 1537. Somente em 1572 a ocupação é garantida com a execução de Tupac-Amaru, sucessor de manco-Capac.

Cortés, dono de grandes minas e latifúndios, morrera na velhice, "multimilionário" como se diria hoje em dia. Cristóvão Colombo terminara velho e esquecido. Pizarro será assassinado por Almagro (que será posteriormente enforcado por esse ato) numa disputa pelo poder e pela repartição de um botim feita irregularmente pelo governador e capitão-geral do Peru.

Ainda que criticando as mortes "desnecessárias" provocadas por "alguns" conquistadores, os eurocentristas continuam insistindo na acidentalidade desses fatos, no saldo positivo, mais que negativo, da colonização europeia.

Defendem que nenhum americano inteligente se identificaria com seres que, supostamente, comiam seus prisioneiros, preferindo carne de crianças inocentes e que, segundo as fantasias de alguns autores, mantinham açougues públicos nos quais vendiam pedaços de carne humana.

Os eurocentristas são incapazes de entender o pensamento pré-colombiano, no qual a natureza devia estar numa perfeita sincronia com os homens e suas instituições. Quando não chovia o suficiente, significava que as autoridades não estavam cumprindo corretamente sua função social, motivo pelo qual deviam ser substituídas. O direito à rebelião contra um governo injusto, defendido na Revolução Francesa, existia desde muito tempo atrás na América.

A ordem jurídica, o movimento do tempo, a fertilidade dos campos, a justiça social, o desempenho do Estado, fazem parte de uma unidade, de uma harmonia geral que devia ser mantida para conseguir paz e prosperidade.

Por que os terceiro-mundistas insistem em identificar a América com esses índios "inertes, indiferentes, sonolentos, tristes, com um claro atraso mental"? Respondem os eurocentristas: por puro populismo demagógico, com claros interesses políticos de ganhar a confiança dessa massa amorfa e tirar seus votos em dias de eleições, ou sustentar através de mitos governos autoritários e corruptos, porque de fato a América teria adquirido consciência de si mesma somente a partir da colonização, quando entrou para a história da civilização abandonando a barbárie.

PEREGALLI, Enrique. A América que os europeus encontraram. São Paulo: Atual, 2011. p. 80-82.

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