"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

As Sete Maravilhas do Mundo Antigo

As pirâmides de Gizé

Duas estátuas, um templo, um jardim num terraço, dois túmulos e um farol. Esta lista aparentemente desigual de sete monumentos tornou-se famosa como as Sete Maravilhas do Mundo Antigo. [...] Dos sete, seis já foram destruídos, seja pela ação do tempo ou do homem. Portanto, é extremamente difícil para nós, hoje, compartilhar da admiração que levou os povos da Antiguidade a celebrá-las.


Os jardins suspensos da Babilônia, do pintor renascentista holandês Maarten van Heemskerck

[...] Textos escritos por pessoas que conheceram e admiraram essas Maravilhas ajudam a transmitir a estupefação que elas provocaram. Representações que delas existem em esculturas e moedas testemunham como elas eram na glória de seu passado. Mas é apenas através de escavações arqueológicas no próprio lugar que esses monumentos ocupavam, e onde hoje somente fragmentos de sua grandeza original permanecem, que elas podem reviver [...].


Mausoléu de Halicarnasso, de Maarten van Heemskerck.

[...] ao longo do tempo, diversos outros monumentos do mundo antigo foram incluídos na lista, mas não conseguiram aprovação universal. Estes, como as próprias Sete Maravilhas, originaram-se em uma variedade de culturas e constituem um lembrete de que os padrões de civilização estão em permanente mutação. De uma coisa podemos ter certeza hoje: as obras-primas de nosso tempo serão amanhã relíquias fragmentárias do mundo que conhecemos - a lição das Sete Maravilhas é uma lição perene.


Colosso de Rodes, de Maarten van Heemskerck

O arquiteto austríaco Johann Fischer von Erlach (1656-1723) foi um dos primeiros a aplicar a pesquisa científica das técnicas ao estudo das antigas construções. Ele abriu sua história da arquitetura em 1721 com as seguintes palavras:

"O principal objetivo do autor é mostrar sob uma verdadeira luz os mais importantes dentre os monumentos famosos que a ferrugem do tempo devorou [...]".

Duzentos e cinquenta anos depois, os mesmos sentimentos se justificam. Hoje, a lista das Sete Maravilhas está determinada para sempre: as Pirâmides, o Jardim Suspenso, a estátua de Zeus Olímpico, o templo de Ártemis, o Mausoléu, o Colosso e o Farol. Hoje sabemos muito, muito mais do que von Erlach sobre os monumentos e seus criadores. [...]


Templo de Ártemis, de Maarten van Hemskerck

Os locais onde quatro dos monumentos se erguiam foram escavados - a Babilônia no Iraque, Olímpia na Grécia, o Mausoléu de Halicarnasso e Éfeso na Turquia. As pirâmides de Gizé, no Egito, foram exploradas a fundo. Os documentos dos antigos babilônios e egípcios, escritos em caracteres cuneiformes e em hieróglifos, hoje podem ser lidos e interpretados, de modo que a história desses povos foi desvelada. O conhecimento moderno pormenorizado do mundo antigo em sua totalidade tornou-se tão completo que uma representação realística das Sete Maravilhas já pode ser formulada. Contudo, as imagens criadas pelo imaginário fantasioso do Renascimento ainda ilustram até mesmo relatos recentes e continuam presentes em livros escolares. [...] As construções originais devem ser investigadas, a partir das fontes antigas, de autores e artistas que as conheceram ainda erguidas, e novas informações que vierem à luz através de recentes escavações arqueológicas podem ser adequadamente selecionadas e avaliadas.


Estátua de Zeus em Olímpia, de Maarten van Hemskerck

A origem das Sete Maravilhas está no povo. Os seres humanos examinam constantemente seu mundo e colocam, ao lado das maravilhas da natureza, as obras que se impuseram à paisagem natural pela mão do homem. [...]


Farol de Alexandria, de Maarten van Hemskerck

A lápide de mármore negro que cobre o túmulo de sir Christopher Wren, na cripta da Catedral de São Paulo, em Londres, tem a inscrição: "Si monumentum requiris, circumspice" - se buscas um monumento, olha em torno de ti.  A obra-prima de Wren é o lugar onde ele foi enterrado. O memorial do poeta romano Horácio foi sua poesia, "mais permanente do que o bronze". Tais sentimentos encontram eco repetidamente, através das épocas. Foi a tentativa de superar os limites da morte que nos inculcou a ideia de destacar sete grandes monumentos e dar-lhes o nome de "Sete Maravilhas do Mundo". A habilidade que o homem tem hoje de subjugar as forças naturais e de alterar radicalmente seu meio ambiente parece, a algumas pessoas, capaz de suplantar a fragilidade da curta duração da vida. Os sentimentos de admiração e orgulho diante dos mais notáveis monumentos do passado certamente nos levam a uma reflexão.

[...] Gerações sucessivas apreciaram as criações de seus ancestrais e as de seus contemporâneos, daí evoluindo gradualmente a seleta lista de monumentos que em nossos dias se tornaram conhecidos como as Sete Maravilhas do Mundo.

O número sete, o "sete da sorte", indivisível assim como o três, assumiu um papel de importância por conta de seu uso na magia e na religião. [...] A lista das Sete Maravilhas do Mundo encontrou seu lugar ao lado dos Sete Pecados Capitais e dos Sete Sábios, o castiçal de sete velas (menorah) do Templo de Jerusalém e as sete filhas celestiais de Atlas (as sete estrelas que os antigos gregos chamaram de Plêiades).

Pessoas de diferentes idades e culturas olharam a sua volta para selecionar os mais belos monumentos de seu mundo e formar essa lista [...]. A lista que conhecemos atualmente foi estabelecida apenas durante o Renascimento, época em que os sábios se voltavam com admiração para o passado, para o Império Romano, mil anos antes. [...]

As sementes da lista das Sete Maravilhas foram plantadas em meados do século V a.C., nas Histórias de Heródoto, chamado com frequência de "o pai da História". Ele nasceu cerca de 484 a.C. na cidade de Halicarnasso (hoje Bodrum), na costa sudoeste da Turquia, e devotou a vida a descrever o choque entre as duas grandes civilizações de sua época. No leste estavam os persas, que quase um século antes haviam conquistado toda a região em que Heródoto nasceu. Em torno da bacia do mar Egeu estavam os gregos, muitos deles e, como o próprio Heródoto, agora súditos do Grande Rei da Pérsia. Os gregos se preocuparam em impedir que qualquer tentativa dos persas de estender ainda mais seu império para o Ocidente. [...]

Heródoto, como muitos dos seus contemporâneos, deslumbrou-se com as fantásticas conquistas dos persas e com as grandes civilizações do Leste. Ele tinha consciência da importância da vitória grega sobre o maior império que o mundo já conhecera, e também estava convencido de que uma nova mentalidade surgia com o desabrochar da civilização grega. Ele considerava a Babilônia a mais impressionante entre as cidades e ficou fascinado pelo mundo dos egípcios. De todos os monumentos que descreve em suas Histórias, são as pirâmides que recebem a maior atenção. [...] Ele examinou a história, fascinado pelas conquistas do passado que haviam sobrevivido em seu próprio mundo. Examinou o mundo de seu tempo, curioso em estudar os efeitos do passado sobre o presente e do presente sobre o futuro. Por uma estranha coincidência, sua terra natal, Halicarnasso, iria se tornar, cem anos mais tarde, o local de uma dessas Sete Maravilhas, o Mausoléu.

Heródoto não nos deixa em dúvida de que, entre todas as relíquias remanescentes das civilizações anteriores, duas eram realmente notáveis no século V a.C. - a grande cidade de Babilônia e as pirâmides do Egito. Não há indicação de que os Minoanos e os Micenianos, ancestrais dos gregos no mundo Egeu, tenham deixado obras que rivalizassem com as dos babilônios e dos egípcios. [...] Diante da pirâmide de Gizé, ele ficou impressionado com o fato de que simples seres humanos puderam se igualar à natureza, criando verdadeiras montanhas. O mesmo aconteceu em relação a cada uma das Sete Maravilhas, à medida que a lista ia sendo organizada. Eram o tamanho, a majestade e a beleza as qualidades que produziam o sentimento de espanto e, em seguida, geravam o deslumbramento. [...]



Cem anos depois de Heródoto, em 359 a.C., Felipe II subiu ao trono da Macedônia. Ele usou sua habilidade militar para exercer influência sobre as cidades-estado que constituíam a nação hoje conhecida como Grécia. Ao morrer, em 336 a.C., Felipe II estava se preparando para lançar uma expedição a fim de libertar do controle da Pérsia as cidades gregas da Ásia Menor. O filho e sucessor de Felipe, Alexandre Magno, tinha a mesma ideia do paí: ver o mundo grego unido sob a soberania da Macedônia. Em 334 a.C., Alexandre conduziu seu exército através do Helesponto [...], uma estreita faixa de água que separa a Europa da Ásia. Esse acontecimento mudou o curso da história. Primeiro Alexandre libertou as cidades gregas e, em seguida, avançou por todo o império persa até chegar à Índia, tornando-se imperador da Ásia. Suas conquistas mudaram a visão que os gregos tinham de si próprios e de sua civilização. O mundo grego a partir daí se ligava ao mundo oriental, e uma visão mais universal das realizações humanas tornou-se evidente. O acontecimento foi um divisor de águas entre o mundo helênico e o mundo helenístico, e só depois dele é que encontramos uma relação de monumentos notáveis que foram construídos, levando finalmente à escolha das Sete Maravilhas do Mundo.

Os gregos do novo mundo criado por Alexandre Magno podiam comparar este mundo com o passado. Os dois monumentos que tanto haviam impressionado Heródoto [...] ainda dominavam a arquitetura do vasto império macedônico. Na Babilônia havia duas construções sem igual, e não causa espanto que as muralhas gigantescas que cercavam a cidade e seus fascinantes jardins suspensos tenham encontrado um lugar logo nas primeiras listas de monumentos.

Examinando um passado mais recente, o mundo "clássico" dos gregos nos séculos V e VI a.C., antes da conquista da Ásia pelos macedônios, um templo imponente se destaca entre os demais - o de Ártemis em Éfeso, onde na era romana a grande deusa Diana seria adorada pelos efésios. Os gregos também podiam se vangloriar da enorme estátua de Zeus, em Olímpia, e do grande túmulo de Mausolo, o vassalo dos persas, em Halicarnasso, como monumentos que suplantavam de longe outras construções [...]. Esses três haviam sobrevivido de gerações anteriores e cada um deles possuía as qualidades que produziam o sentimento de deslumbramento nos espectadores. [...]

Os dois últimos monumentos aceitos na lista canônica das Sete Maravilhas fornecem uma chave para a data em que tal lista teria sido compilada. O mais antigo dos dois era o Colosso, estátua representando o deus-sol Hélios, que ficava na entrada do porto da cidade de Rodes.

Foi construída como uma oferenda ao deus, em celebração a sua ajuda durante o prolongado cerco de Rodes pelo exército macedônio em 305 a.C. [...] A última das Sete Maravilhas [...] é o Farol de Alexandria, no Egito - o Pharos, nome transmitido a todas as construções gregas que tinham a finalidade de auxiliar a navegação. Ele foi construído durante o reinado de Ptolomeu II Filadelfos (284-246 a.C.), cujo território foi subtraído do império macedônico por seu pai, Ptolomeu I, após a morte de Alexandre.

O Colosso de Rodes provavelmente já fora destruído quando o Farol foi terminado. Em 226 a.C., um terrível terremoto atingiu Rodes e derrubou a estátua e, embora os habitantes da cidade desejassem reconstruí-lo, permaneceu por muitos séculos onde caiu. Ficou ali, à vista de todos, porém, a despeito do trabalho que seria erguer novamente a estátua, o triste monte de bronze jamais poderia qualificar o Colosso para entrar novamente na lista das sete obras mais admiradas pela humanidade. Contudo, embora a lista só tenha se cristalizado durante o Renascimento, quando muitos daqueles monumentos já haviam se transformado em pó, o intervalo de 33 anos entre a construção do Farol e a destruição do Colosso deve ser apreciado como um período de importância vital para o surgimento da ideia das Sete Maravilhas. Exatamente nessa época, Calímaco de Cirene (305-240 a.C.), que ocupava um posto importante na Biblioteca de Alexandria, no Egito, escreveu um trabalho intitulado "Uma coleção de maravilhas em terras através do mundo". Esse texto não sobreviveu, nem seu conteúdo é conhecido em detalhes, mas a existência de tal coleção certamente deve ter estimulado a seleção de algumas obras e levado finalmente à escolha das Sete Maravilhas que se tornaram assim conhecidas. A primeira lista de tais monumentos ocorreu num curto poema atribuído a Antipater, poeta grego de Sidon, na costa da Palestina, pouco mais de cem anos depois da morte de Calímaco. O poema é uma simples declaração de admiração por esses grandes feitos do homem:

"Fitei as muralhas da inexpugnável Babilônia, sobre as quais as bigas podem competir; fitei também Zeus nas encostas do Aphaeus. Vi os Jardins Suspensos e o Colosso de Hélios, as enormes montanhas construídas pelo homem nas pirâmides, e o gigantesco túmulo de Mausolo. Mas quando me defrontei com a sagrada morada de Ártemis que se ergue até o céu, as demais ficaram na sombra, pois o próprio sol nunca viu nada igual fora do Olimpo".

As muralhas e os Jardins Suspensos da Babilônia, as pirâmides do Egito, a estátua do Zeus olímpico, o Colosso de Rodes, o túmulo de Mausolo e o templo de Ártemis em Éfeso. Esta lista é bem semelhante às Sete Maravilhas que hoje conhecemos e comprova que a ideia delas surgiu no século II a.C.

CLAYTON, Peter; PRICE, Martin. (org.). As sete maravilhas do mundo antigo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. p. 13-27.

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