"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O colonialismo no século XIX

"As raças superiores têm um direito perante as raças inferiores. Há para elas um direito porque há um dever para elas. As raças superiores têm o dever de civilizar as raças inferiores". 
(Jules-Ferry, Discurso no parlamento francês, jul. 1885. In: Laima Mesgravis. A colonização da África e da Ásia: a expansão do imperialismo europeu no século XIX. São Paulo: Atual, 1994. p. 32.)

Ilustração da edição de 16 de janeiro de 1898 do Le Petit Journal. Nessa charge são representados governantes ou alegorias, respectivamente, da Inglaterra, Alemanha, Rússia, França e Japão - ao fundo, China. Ela revela de modo expressivo os problemas, os conflitos e as angústias que afetavam as sociedades na passagem do século XIX para o século XX.

Os interesses pela conquista de territórios de além-mar, desenvolvidos nos séculos XVI e XVII, arrefecidos no século XVIII, renasceram no último quartel do século XIX. A expansão colonialista seguida por algumas nações chamou-se imperialismo.

Dois fatores principais nortearam os interesses colonialistas:

a) Fatores econômicos. A industrialização crescente e o nível de vida cada vez mais elevado apontaram a necessidade de obter fontes de matérias-primas, várias delas situadas em áreas tropicais. Por outro lado, a concorrência entre as nações industrializadas levou-as à procura de novos mercados e de oportunidades, fora da Europa, onde investir as grandes somas de capitais excedentes.

b) Fatores políticos. Rivalidades nacionais entre os países do mundo ocidental os induziram a aumentar seu prestígio político conquistando territórios em outros continentes. Pareceu-lhes também oportuno, como medida de segurança nacional, apoderarem-se de ilhas longínquas ou estrategicamente localizadas. Essas conquistas fizeram-se, às vezes, por simples motivos de precaução no intuito de impedir que esses pontos estratégicos caíssem em poder de inimigos em potencial.

Assim a grandeza de uma nação começou a ser aquilatada em termos de suas possessões coloniais. As dissidências entre os países provocadas por suas reivindicações imperialistas foram um fator importante que conduziu à Primeira Guerra Mundial.
   
* Parcelamento dos continentes

África. O século XIX assistiu a uma penetração sistemática e intensa do continente africano da parte das grandes potências europeias, movidas por objetivos econômicos e políticos.

Vários exploradores haviam revelado à Europa a riqueza e o significado econômico de vastas áreas africanas, até então desconhecidas: os britânicos Richard Lander (1830-1840, todo o curso do rio Níger), Richard Burton (1858, Tanganika), John Speke (1858, lago Vitória e nascentes do rio Nilo), David Livingstone (1857-1873, sudeste africano e cataratas de Vitória); o alemão Heinrich Barth (1850, lago Chad); o norte-americano Henry Stanley (1871, todo o percurso do rio Congo).

Foi a partir de Stanley – conseguindo interessar a Bélgica na exploração econômica das riquezas naturais da região do Congo – que se iniciou, com a mesma finalidade, a ocupação sistemática e intensiva da África pelas principais potências europeias.

A exemplo de Stanley, outros exploradores, após devassarem territórios virgens, reclamaram para seus países as terras percorrias: Pierre de Brazza reclamou para a França regiões da África Ocidental, Karl Peters reivindicou para a Alemanha região na África Oriental, Vittorio Bottego para a Itália terras ao longo do Mar Vermelho, e Cecil Rhodes para a Inglaterra a Rodésia e a Bechuanalândia.

Em nenhum outro continente o imperialismo colonialista implantou-se tão rapidamente como na África. Em vinte anos, a partir da penetração sistemática do continente, 90% das terras africanas passaram para as mãos dos europeus.

Ásia. A penetração do continente asiático pelos europeus foi também movida, como na África, por objetivos econômicos e políticos, mas se verificou de maneira diversa, pois países de culturas antigas aí existentes resistiram longo tempo às investidas dos ocidentais: China e Japão.

A China, no início da época contemporânea, apresentava-se isolada do resto do mundo, com apenas dois portos abertos ao comércio internacional: Cantão e Macau. No século XIX uma série de guerras forçaram os chineses a abrir seu país e a manter contato com os europeus.

A Guerra do Ópio (1841-1842), com a Inglaterra, começou quando os chineses não mais permitiram o comércio do ópio, contrabandeado da Índia, e destruíram em Cantão um carregamento de propriedade inglesa. Ao protesto armado da Inglaterra a China curvou-se, cedendo aos ingleses a ilha de Hong-Kong, abrindo cinco portos ao comércio britânico e, posteriormente, ao comércio francês.

Invasão britânica de Cantão pelos ingleses em 1858

Sofrendo contínuas pressões da Inglaterra e da França e um ataque imperialista do Japão, que buscava conquistas territoriais, a China viu-se obrigada a abrir vários outros portos ao comércio europeu e a fazer também novas concessões financeiras e comerciais a outros países da Europa.

Todo esse processo levou à Revolta dos Boxers, organização secreta chinesa que exigia a expulsão dos estrangeiros de seu território. Os boxers foram no entanto derrotados por um exército constituído de europeus, norte-americanos e japoneses. A China teve de pagar indenizações e reconhecer as possessões efetuadas anteriormente, recebendo porém em troca a garantia de sua integridade territorial; pôde assim passar por sucessivas transformações modernizadoras que culminaram com a proclamação da República chinesa (1912).

Revolucionário boxer

O Japão, tal como a China, vivia ainda, no século XIX, dentro de uma estrutura feudal, isolado do resto do mundo.

O isolamento quebrou-se quando o imperador japonês – acedendo ao pedido do governo dos Estados Unidos feito por intermédio do comandante de uma frota americana – resolveu assinar dois tratados (1854, 1858) mediante os quais abria vários de seus portos ao comércio dos Estados Unidos. Pouco depois outras nações negociaram tratados semelhantes.

Uma vez tendo entrado em contato com as civilizações ocidentais o Japão demonstrou sua rara capacidade de assimilação rápida. Desfazendo-se das velhas estruturas feudais enveredou pelo caminho do desenvolvimento econômico e industrial que, em poucos decênios, conduziu o país a uma política imperialista e transformou o Império Japonês em uma grande potência.

Oceania. No século XIX, com o aparecimento dos navios a vapor permitindo cobrir grandes distâncias, as ilhas do Oceano Pacífico tornaram-se muito importantes para o Ocidente. Além de servirem de postos de abastecimento de combustível e de víveres, ofereciam novas áreas fornecedoras de matérias-primas, razão pelo qual nações ocidentais disputaram entre si a sua posse. A Inglaterra, a França, a Alemanha, os Estados Unidos conseguiram fixar-se em numerosas ilhas do Pacífico. HOLLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1980. p. 241-243.

* O legado do imperialismo

"Antes do aparecimento dos europeus, todos os habitantes nativos do território eram economicamente autossuficientes [...]. Cada família banto produzia sua alimentação plantando e criando gado; também construía as próprias cabanas e fazia a maioria de suas roupas e utensílios domésticos [...]. Desde a vinda dos europeus, essa antiga autossuficiência se desmoronou". (WODDIS, J. África, as raízes da revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1961. p. 25.)

Esta foto de 1993, mostra uma criança do Sudão faminta sem forças para continuar rastejando para um campo de alimento da ONU. Ganhadora do Prêmio Pulitzer em 1994 e publicada pelo The New York Times, a foto foi tirada pelo fotógrafo sul-africano Kevin Carter.

A I Guerra Mundial foi um ponto decisivo na história do imperialismo, embora nem as metrópoles nem as colônias parecessem ter consciência disso na época. O princípio de autonomia, defendido pelas nacionalidades europeias na conferência de paz, foi adotado pelos intelectuais asiáticos e africanos, que intensificaram seus esforços antiimperialistas. Após a I Guerra Mundial, as exauridas potências coloniais hesitaram em combater as colônias rebeldes. Além disso, depois de guerrearem para destruir o imperialismo e racismo nazistas, as potências coloniais europeias tinham pouca justificativa moral para negar autonomia a outros povos.

Quase um século após a rápida divisão do mundo entre as potências europeias e os Estados Unidos, e décadas depois da descolonização quase total, as consequências do imperialismo ainda persistem. O imperialismo deixou uma herança de profundas animosidades nos países da Ásia, África e América Latina. Embora a maioria das nações tenha independência política, os nacionalistas se ressentem das influências culturais e econômicas do Ocidente. Grande parte do mundo ainda é pobre e padece de insuficiência de capital, líderes incapacitados e governos instáveis. Muitas pessoas nessas regiões pobres acreditam que a situação de seu país deve-se aos anos de exploração ocidental.

Para os antigos povos coloniais, o imperialismo foi causa de grande ressentimento, não somente devido à exploração econômica, mas também por ter encorajado o racismo e pelo insensível desrespeito às outras culturas. Assim, o nacionalismo não ocidental incluiu muitas vezes elementos antiocidentais. Atualmente, as nações europeias e os Estados Unidos têm de lidar, no âmbito da economia e da política, com nações profundamente conscientes de sua nacionalidade e prontas a condenar qualquer política que lhes pareça imperialista.

O imperialismo acelerou o crescimento de uma economia de mercado global, concluindo a tendência que teve início com a revolução comercial dos séculos XVI e XVII. No começo do século XX, em muitos partes da Europa, tanto as classes trabalhadoras quanto as camponesas tinham condições de comprar mercadorias de lugares distantes - mercadorias que antes eram acessíveis apenas às pessoas muito abastadas. As regiões subdesenvolvidas do mundo, por sua vez, encontraram mercado para suas colheitas e puderam comprar mercadorias europeias - os ricos pelo menos puderam.

O imperialismo também fomentou a difusão da civilização ocidental em todo o globo. A influência das ideias, instituições, técnicas, idioma e cultura ocidentais é manifesta em todos os lugares. O inglês e, até certo ponto, o francês são línguas internacionais. Os países africanos e asiático adotaram, muitas vezes com limitado sucesso, o governo parlamentar e a democracia do Ocidente. O socialismo, uma ideologia ocidental, foi transplantado nos países do Terceiro Mundo. O industrialismo e a ciência moderna, ambos realizações do Ocidente, tornaram-se globalizados, como também as técnicas agrícolas, as práticas comerciais, a medicina, os procedimentos legais, os currículos escolares, a arquitetura, a música e as roupas. A mulher turca já não é mais obrigada a usar véu; a mulher chinesa não precisa mais amarrar os pés; os indianos proscreveram a intocabilidade; os árabes, africanos e indianos já não precisam mais a escravidão - todas essas mudanças ocorreram sob a influência das ideias ocidentais. (Certamente, as formas culturais não se deslocaram apenas numa única direção: os modos africanos e asiáticos também influenciaram os ocidentais.) O impacto das maneiras ocidentais sobre o Terceiro Mundo constitui um dos desenvolvimentos mais importantes de nossa época. PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 479-480.

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