"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Os conquistadores: homens ou feras?

Os conquistadores rezam antes de entrar em Tenochtitlan, Margaret Duncan Coxhead


Homens ou feras? Como saber! Feras por sua crueldade e seu desumano valor. Homens por suas paixões brutais, fora do comum. Seres capazes de procurar minas de prata a 4.000 metros de altura. E de construir lá, em Potosi, aquela que, em determinado momento, foi uma das grandes cidades do mundo. Ir até o vulcão Popocatepelt - como  fez Diego de Ordaz - a 5.400 metros, enfrentar o frio rigorosíssimo, o vento forte e a nevem para tirar dele o enxofre necessário para fabricar a pólvora.

De que madeira eram feitos os que enfrentaram as febres tropicais que matam num piscar de olho? Enfrentar os mosquitos devoradores. Os pântanos que tragam seres humanos, animais vistos como diabólicos - o iguana foi um deles -, espécie de versão nativa dos fabulosos dragões que Dom Quixote acreditava existir. De que metal eram feitos já que nada os conseguiu deter: a sede, a fome e as flechas envenenadas dos índios caribes?

Talvez fossem, ao mesmo tempo, homens e feras, capazes de perder tesouros num jogo de baralho, tesouros roubados dos índios e que custaram esforços enormes, sacrifícios tremendos. E que se a situação o exige, são capazes de devorar-se a si mesmos, quando já não se aguenta mais a fome. Capazes de colocar no próprio altar de Huitzlopochtli, o grande deus dos astecas (um altar onde ainda está quente o sangue das vítimas imoladas) a imagem de Virgem Maria, e isso diante dos olhares perplexos e raivosos dos derrotados.

Como podemos saber o que eles são! Observemos Balboa, o descobridor do Mar do Sul (Oceano Pacífico), entrando de joelhos na água, uma espada na mão direita e na mão esquerda um estandarte no qual a imagem da Virgem - novamente ela! - tem o reino de Castela a seus pés. Atrás, o capelão com a Cruz. E o grito estremecedor: "Viva os grandes e poderosos reis de Castela!" A cruz e a espada unidas. A cruz para catequizar pagãos, para afugentar o diabo, para crucificar os índios. A espada para vencê-los em combates desiguais, como se fosse um torneio enlouquecedor. A espada, ou o punhal, para assassinar também o desprevenido camarada das duras jornadas e roubá-lo.

Homens e feras ou simplesmente homens? Que nome dar àqueles que, por ordem do Marquês de Montes Claros, vice-rei do Peru, destróem num só dia tudo o que eles chamam de falsa adoração indígena. Que, como uma maldição bíblica, arrasam a cidade de Tenochtitlán e utilizam as próprias pedras de suas ruínas para construir a cidade do México. Como qualificar Juan de Zumárraga, bispo do México que faz um auto-de-fé com os manuscritos que encerram a ciência e a cultura dos astecas, tal como já o havia feito em Toledo (Espanha) o cardeal Cisneros com os manuscritos árabes.

É difícil encontrar a expressão exata para aqueles que, em nome da religião e levados por uma cobiça de aves de rapina açoitaram povos e civilizações. Talvez, simplesmente, conquistadores... Homens de um tempo em que Lutero, reformador religioso, exigia matar camponeses alemães como se fossem raivosos. Homens, provavelmente, não piores que nós.

POMER, León. História da América Hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 92.

Nenhum comentário:

Postar um comentário