"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Independência da América espanhola

Praça maior de Lima, Johann Moritz Rugendas

Texto 1
*As razões dos movimentos de libertação colonial. Ao se iniciar o século XIX, a Espanha ainda dominava a maior parte dos territórios americanos. Trinta anos depois, suas colônias americanas limitavam-se a Cuba e Porto Rico.

Como explicar essa mudança radical? Por que o Império Colonial Hispano-Americano desmoronou tão rapidamente? Porque as contradições internas desse Império não conseguiram superar as modificações surgidas no plano internacional desde fins do século XVIII.

Uma das transformações mais importantes se processou na cabeça das pessoas. Como? A partir da propagação das ideias do Iluminismo, cresceu o ideal de liberdade.

Isso mesmo! A produção intelectual, gerada principalmente na França e na Inglaterra, chegou à América Espanhola, através de publicações escritas que conseguiram escapar à vigilância das autoridades coloniais. As ideias liberais e democráticas também se propagaram graças aos hispano-americanos que foram à Europa a passeio, a negócios ou em viagem de estudos.

Não pense que aquelas ideias se tornaram populares entre as classes trabalhadoras. Na realidade, seu conhecimento ficou praticamente limitado aos criollos, brancos nascidos na América e integrantes da classe que dominava a economia colonial.


A rebelião dos criollos, Arturo Michelena

Sim, eram eles os grandes proprietários rurais, os comerciantes, os arrendatários das minas... Eram os criollos a aristocracia econômica das colônias hispano-americanas. Graças aos seus recursos econômicos e financeiros, tiveram a possibilidade de ser a elite intelectual: muitos frequentaram universidades americanas ou europeias, muitos sabiam ler e escrever. Assim, puderam ter acesso aos ideais econômicos e políticos que pregavam a destruição do Mercantilismo, do Absolutismo e dos privilégios das minorias.

Mas eram os criollos maioria na América Espanhola?

De jeito nenhum! Eles, inclusive, exploravam o trabalho da maioria, formada por indígenas, mestiços e negros!

E que minoria seria essa, cujos privilégios os criollos queriam destruir?

A minoria constituída pelos guachupines ou chapetones, denominações aplicadas aos espanhóis que monopolizavam os altos cargos da administração, da Justiça, da Igreja e o Exército coloniais.

E quem sustentava essa minoria dirigente?

Os criollos, que tinham a maior parte dos meios de produção, mas se viam impelidos de ocupar as supremas funções dirigentes coloniais, reservadas exclusivamente aos chapetones.

Foi justamente quando os criollos, graças ao Iluminismo, tiveram maior consciência das limitações e das espoliações impostas pela subordinação colonial, que a Espanha tornou mais opressiva suas diretrizes coloniais:

* os impostos foram aumentados;
* o Pacto Colonial ficou mais severo;
* as restrições às indústrias e aos produtos agrícolas coloniais concorrentes dos metropolitanos agravaram-se.

Além do mais, havia o exemplo dos EUA. Não haviam estes sido colônias da Inglaterra? Se as Treze Colônias conquistaram sua independência, por que as colônias espanholas na América não teriam sucesso em uma guerra de libertação nacional? Os norte-americanos não haviam derrotado a poderosa Inglaterra? Por que os hispano-americanos não venceriam a decadente Espanha?

É claro que os criollos deveriam buscar o apoio da massa indígena e mestiça para melhor atingir seus objetivos. Ainda que algumas concessões fossem feitas, os criollos não queriam perder a condição de elite dirigente e de classe proprietária dos meios de produção.

A conjuntura internacional tornou-se mais favorável quando a Inglaterra, em plena Revolução Industrial, sentiu a necessidade de ampliar seus mercados externos, consumidores da sua produção fabril e abastecedores de matérias-primas.

Só que o interesse inglês esbarrava no aumento do arrocho colonial espanhol. Mesmo a abertura dos portos hispano-americanos às Nações neutras era prejudicial ao capitalismo inglês. Por que? Porque existia um estado de guerra entre as Cortes de Londres e Madri. A questão se complicava devido ao crescimento das relações comerciais entre os EUA e as colônias hispano-americanas.

A Inglaterra não tinha escolha!

Para superar os EUA e abrir os mercados hispano-americanos ao capitalismo inglês, deveria engajar-se a fundo na criação de Estados independentes na América. O comércio inglês só seria livre com países livres!

Por isso, a Inglaterra forneceu navios, armas, munição e até homens, além de auxílio diplomático e financeiro, aos criollos. Já em 1806, uma expedição, comandada pelo criollo Francisco Miranda, tentou ocupar Caracas, na Venezuela, contando com ajuda inglesa.

Mas a ruptura da Espanha com as suas colônias só viria a ocorrer durante a Revolução Francesa (1789-1815). Desde a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder, o conflito entre França e Inglaterra se intensificou, tendo o Bloqueio Continental (1806) fechado a Europa Continental ao comércio inglês.

A crise econômica então criada, e intensificada com a crise financeira, decorrente das grandes despesas com as guerras contra a França Napoleônica, impunha, mais do que nunca, a conquista de novos mercados pela Inglaterra.

Esses mercados poderiam ser americanos, desde que as colônias espanholas se tornassem independentes.

Era natural que a Espanha não aceitasse, sem reagir, a perda das suas colônias. Os acontecimentos, porém, se precipitaram: os exércitos de Napoleão Bonaparte invadiram a Espanha e José Bonaparte, irmão do Imperador francês, foi colocado no trono espanhol; Carlos IV e seu herdeiro Fernando VII foram depostos e aprisionados.

Como em um passe de mágica, a Espanha, submetida à França, tornou-se inimiga da Inglaterra. Com isso, a esquadra inglesa no Atlântico passou a impedir qualquer contato dos governantes de Madri com as autoridades coloniais da América espanhola.

Aproveitando-se da situação e usando a desculpa da fidelidade aos Monarcas depostos, os criollos depuseram a maioria dos Vice-Reis, Capitães Gerais e Governadores, substituídos por Juntas de Governos.

Essas juntas eram integradas exclusivamente por criollos e, de imediato, todas estabeleceram a liberdade de comércio. Foi o fim dos entraves mercantilistas e o início da penetração do capitalismo inglês.

Quando Fernando VII retornou ao poder, com a Restauração na Espanha (1814), e determinou o restabelecimento do Pacto Colonial, a luta pela independência política se alastrou.

Por que? Porque o livre comércio só seria garantido com a liberdade política.

E quem ajudou a vitória dos criollos? É isso mesmo, a Inglaterra, que não admitia perder os mercados americanos. Não é de espantar que, no Congresso de Verona (1822), o representante inglês tenha advertido os presentes que não permitiria qualquer intervenção da Santa Aliança no continente americano.

A essa altura, tanto o Brasil como a maioria das colônias espanholas haviam conquistado a sua independência política, se bem que para cair na esfera de influência da Inglaterra.


Estudo para a Praça maior de Lima, Johann Moritz Rugendas

Texto 2
1810-1822 [Vice-Reino da Nova Espanha]. Em 1810, uma conspiração criolla deu início a uma revolta na região norte do México, marcada pela atividade mineradora. Seu líder, padre Miguel Hidalgo, era adepto dos ideais iluministas e exercia grande influência sobre as comunidades locais. A população pobre e indígena revoltosa recorreu ao estandarte da Virgem de Guadalupe para simbolizar sua identidade local, mexicana. Após meses de luta, o movimento perdeu força e se dispersou. Padre Hidalgo foi capturado, forçado a manifestar um arrependimento público e, em seguida, foi executado.

El grito de Dolores, mural de Juan O' Gorman. [A história do México é contada por gigantescas pinturas murais. Diego Rivera, Jose Orozco e Juan O' Gorman são alguns desses muralistas. O' Gorman procurou enfatizar a importância do movimento liderado pelo padre Hidalgo, em 1810.]

Entre 1813 e 1815, outra rebelião eclodiu ao sul do México, onde havia maior preservação da identidade aldeã. Adeptos das ideias do padre Hidalgo passaram a disseminá-las entre as comunidades locais, destacando-se entre eles o religioso mestiço José Maria Morelos. Sob sua orientação, organizou-se um exército de aldeões, que tinha como metas o fim da escravidão e do sistema de castas e a suspensão do tributo pago pelos povos indígenas. Em 1815, foi fundado um órgão máximo do governo insurgente, chamado Congresso Nacional de Chilpancingo, que declarou a independência da América espanhola setentrional. No ano seguinte, o Congresso de Chilpancingo promulgou a primeira Constituição mexicana, a de Apatzingán, fortemente inspirada nos ideais de Morelos. Os criollos, incomodados com a crescente participação das camadas pobres e mestiças no processo de emancipação, se distanciaram de Morelos, que acabou preso e executado, em 1815. A independência do México e sua primeira Constituição foram anuladas.

Aos poucos, vários grupos de criollos abandonaram as lutas pela independência e voltaram a apoiar a Espanha, na esperança de conquistar a soberania do México por meio de estratégias diplomáticas. Enquanto isso, numerosos grupos guerrilheiros continuaram a agir por todo o Vice-Reino da Nova Espanha, dos quais se destaca o de Vicente Guerrero, em Oaxaca. E foi com esse grupo que o oficial monarquista, Agustin de Iturbide, negociou a retomada do movimento de independência do México. A união dessas forças deu início ao Plano de Iguala, que tornaria o México um país independente e governado por Fernando VII. Os criollos e os chapetones teriam seus privilégios preservados, enquanto a Igreja manteria o monopólio religioso. Em setembro de 1821, a Junta Provisória do Governo decretou a independência do império mexicano. A Capitania Geral da Guatemala, formada pelo atual estado mexicano de Chiapas, pela Guatemala, por El Salvador, Nicarágua, Costa Rica e por Honduras, foi incorporada ao império do México.

Em 1822, Agustin de Iturbide foi nomeado imperador, mas seu governo durou apenas oito meses. Diante de sua inabilidade política e administrativa, setores militares se rebelaram contra o imperador e proclamaram a República, em dezembro de 1822. O general Antonio Lopez da Santa Anna foi nomeado o primeiro presidente do México republicano. A Constituição republicana foi promulgada em 1824, definindo o México como uma república federativa e oficialmente católica.

Formalizou-se, portanto, uma saída conservadora para o processo de emancipação do México.

1811-1819 [Capitania Geral da Venezuela / Vice-Reino da Nova Granada]. Entre 1811 e 1812, os criollos locais, influenciados pelas ideias liberais e iluministas, iniciaram as primeiras campanhas revolucionárias da Venezuela, liderados por Francisco Miranda. Os revoltosos buscaram apoio de países europeus para a causa emancipacionista. A Junta de Governo de Caracas declarou a independência da Venezuela, em 1811. Contudo, as tropas metropolitanas retomaram o poder no ano seguinte e, assim, deram fim à Primeira República venezuelana. Seu líder, Francisco Miranda, foi extraditado para a Espanha, onde faleceu na prisão.


Miranda no cárcere, 1896, Arturo Michelena.

Em 1813, Simón Bolívar, um dos ícones do processo de independência da América espanhola, liderou o segundo movimento emancipacionista venezuelano. Mas a Segunda República venezuelana teve fim logo no ano seguinte, com a chegada das tropas de reconquista enviadas pelo rei Fernando VII.

Em 1819, foi proclamada a República da Grã-Colômbia, que uniu os territórios das atuais Venezuela, Colômbia e Equador, que se separaram novamente em 1830.

1810-1816 [Vice-Reino do Rio da Prata]. A região do Rio da Prata já havia enfrentado outros momentos de grandes tensões entre as demandas locais e as ordens da Coroa. A cidade de Buenos Aires havia sofrido duas tentativas de invasão inglesas e, em ambos os momentos, as autoridades representantes da Coroa se mostraram ineficientes para garantir a segurança das comunidades locais. Diante da crise de legitimidade do poder metropolitano, a elite criolla local constituiu a primeira junta governativa. Em seguida, destituiu o vice-rei, Baltazar Hidalgo de Cisneros, e proclamou a Junta Provisória de Governo das Províncias do Rio da Prata em nome do senhor Fernando VII. O juramento de lealdade ao rei durou pouco tempo, pois logo as elites criollas organizaram uma revolução liberal em prol de sua independência. Em maio de 1810, foi instalada, em Buenos Aires, uma república inspirada nos ideais iluministas. Contudo, outras regiões que formavam o Vice-Reino do Rio da Prata se recusaram a seguir a liderança de Buenos Aires, pois temiam que o comércio interno ficasse inteiramente à mercê da nova capital, localizada numa região portuária. As disputas entre Buenos Aires e as províncias do interior permaneceram por um longo período.

Em 1816, foi proclamada a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata.

Enquanto as províncias do interior se batiam contra Buenos Aires, os atuais territórios do Paraguai (1811) e Uruguai declararam a sua independência.

O Uruguai, sob o nome de Província Cisplatina, foi anexado ao Brasil entre 1820 e 1828, como parte de um acordo com a Argentina para garantir, entre outros, a navegação das embarcações luso-brasileiras para o interior do território português. Inicialmente, a anexação foi bem recebida pelos portenhos, mas, a partir de 1825, numerosos grupos de uruguaios se organizaram, dando início a um novo processo de emancipação do Uruguai. Após um período de lutas, que se arrastou até 1827, finalmente foi reconhecida a independência uruguaia, por meio de um tratado firmado em 1828 entre o Império do Brasil, as Províncias Unidas, a Inglaterra e o Uruguai. Em 1830 foi promulgada a primeira Constituição uruguaia, que também seguiu a tendência republicana e liberal.

San Martín proclama a independência do Peru, Juan Lepiani

1812-1824 [Vice-Reino do Peru / Capitania Geral do Chile]. O processo de libertação do Peru esteve entrelaçado com a emancipação da Capitania Geral do Chile e a consolidação da unidade territorial da atual Argentina. As lutas pela libertação dessas regiões da América do Sul tiveram a participação de José de San Martín, outro ícone da independência dos países hispano-americanos, como um dos articuladores desse processo.

As operações de guerra para a libertação do Chile e do Peru foram articuladas em território argentino, onde se fixaram as tropas rebeldes. De lá saíam os principais ataques às forças da Coroa, tendo Bernardo O'Higgins como comandante do chamado Exército dos Andes. Após um longo período de batalhas, as tropas de O'Higgins expulsaram os representantes da Coroa espanhola e declararam a independência do Chile. O"Higgins assumiu então o governo chileno.

Ao contrário das demais regiões, as elites criollas peruanas se mantiveram fiéis à Coroa, mesmo quando os grandes movimentos emancipacionistas eclodiram por toda a América espanhola. Tendo experimentado o impacto da participação popular nas revoltas locais, especialmente o movimento de Tupac Amaru II, as elites criollas preferiram a manutenção da ordem colonial. Tal postura não impediu que surgissem os primeiros movimentos pela libertação do Vice-Reino do Peru, em 1812, que foram duramente rechaçados. Apenas em 1820, as tropas de San Martín conseguiram tomar a cidade de Lima, a capital do Vice-Reino, e proclamar a independência do Peru. San Martín assumiu o governo e tomou medidas liberais, tais como a abolição da mita, o fim da escravidão, a criação de escolas, entre outras. Ele permaneceu no poder até 1822, quando aparentemente se desentendeu com Bolívar e pediu seu desligamento político e militar do governo do Peru. Em 1824, as tropas de Bolívar debelaram a resistência espanhola na batalha de Ayacucho, no Peru.

AQUINO, Rubim Santos Leão de; LISBOA, Ronaldo César. Fazendo a História: a Europa e as Américas do século XVIII ao início do século XX. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. 
FARIA, Ricardo de Moura et alli. Estudos de História. São Paulo: FTD, 2010.

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