"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Civilizações do Antigo Oriente

Modelo funerário egípcio: parto de uma vaca. Médio Império, XIIª dinastia (1990-1786 a.C.)

A descoberta do mundo antigo pelas sociedades ocidentais modernas partiu de referências contidas nos textos literários e filosóficos gregos e latinos e na Bíblia.

A partir dessas referências desenvolveram-se dois campos de estudo, que se tornaram a base para o conhecimento da história antiga: a arqueologia e os estudos filológicos e linguísticos, compreendendo decifração e tradução das escritas antigas.

* Arqueologia. Atualmente a arqueologia é um dos mais importantes ramos da pesquisa histórica. Além de exigir profissionais e técnicos altamente qualificados, necessita de grandes investimentos. São as principais universidades europeias e norte-americanas, em geral associadas a museus e grupos empresariais, que realizam as maiores pesquisas arqueológicas, continuando a enriquecer os acervos ocidentais. Apesar de tudo, ela não é exclusividade dos pesquisadores europeus ocidentais e norte-americanos. Estudiosos russos, do Extremo Oriente e da África também têm sido responsáveis por importantes descobertas nessa área.

A arqueologia não se presta, também, apenas ao estudo da Antiguidade. As técnicas e teorias por ela desenvolvidas permitem o estudo de toda e qualquer cultura, das mais antigas às atuais, por meio do conhecimento de suas produções materiais: construções, monumentos, utensílios e objetos. Daí sua importância para o estudo das culturas não letradas.

* Decifração das escritas antigas. A descoberta das antigas civilizações, porém, só se tornou efetiva quando foi possível decifrar e, consequentemente, entender os textos produzidos nas diferentes formas de escrita, nas diversas línguas.

A partir da primeira metade do século XIX, praticamente todas as escritas antigas foram decifradas. Assim, a enorme quantidade de documentos que resistiu a todos os agentes destruidores começou a ser lida e traduzida para as diversas línguas europeias atuais.

A decifração das escritas possibilitou um diálogo com as culturas antigas. No entanto, os primeiros pesquisadores muitas vezes conseguiam traduzir as palavras, mas não atinavam com o sentido do texto. Esse problema foi superado quando os estudos linguísticos revelaram que os textos eram poemas e, portanto, seria preciso utilizar os recursos da análise e da crítica poéticas para entendê-los.

* Começo da História. A periodização, convencionalmente adotada, estabelece que o ingresso dos povos na história e na civilização se dá com a invenção de alguma forma de escrita.

- Escrita: Não se sabe ao certo quando surgiu a primeira forma de escrita. O mais provável é que diferentes formas tenham surgido simultaneamente, em lugares distintos. As inscrições mais antigas encontradas até agora são sumérias e egípcias e datam do IV milênio a.C.

No decorrer do II milênio a.C., praticamente todas as sociedades nucleadoras das civilizações antigas já tinham desenvolvido alguma forma de escrita.

A escrita, porém, era um privilégio das categorias socialmente dominantes (desde o início, no âmbito das civilizações, o controle da expressão e da comunicação das palavras e das ideias é um dos instrumentos do poder). A maioria da população permaneceu ágrafa - sem escrita - ou, como se diria hoje, analfabeta.

- Outros requisitos da civilização: O ingresso dos povos na história assinalou-se por outras transformações socioculturais, consideradas também elementos de distinção entre a Pré-história e a Antiguidade:

. a sedentarização do ser humano com o surgimento da agricultura e da criação de animais;
. o uso dos metais, com a metalurgia (bronze e ferro);
. o surgimento das cidades e a organização da vida urbana;
. a organização da sociedade em categorias sociais distintas;
. o surgimento do Estado.

Entre os diversos povos não existe parâmetro fixo para a sucessão dessas mudanças. Assim, se todos os povos ao desenvolverem a escrita já praticavam a agricultura ou eram pastores, nem todos sabiam manipular os metais. Do mesmo modo, o surgimento de uma forma organizada de Estado nem sempre coincidiu com o surgimento da escrita. Além do que, as relações entre os povos sempre produziram alterações nesses processos, não importando em que estágio se encontravam os diferentes grupos humanos.

[...]

* Reinos e impérios. Considerando-se os três conjuntos [...] (Egito, Ásia Ocidental e Extremo Oriente), é possível organizar uma sequência de impérios, mas essas sequência não pode ser linear, nem mesmo quando se trata de um único reino ou império. Os impérios se formaram, cresceram, dominaram outros e desapareceram em meio a uma grande agitação de povos, sociedades e culturas diferentes. Alguns podem ser vistos como sucessores de outros, que foram conquistados ou que deixaram de existir devido a crises internas. Na maior parte dos casos, porém, os impérios foram contemporâneos e se relacionaram (como aliados e/ou rivais).

Os reinos e impérios que se destacaram no mundo antigo oriental foram: Egito faraônico, Suméria, Babilônia, Assíria, Mitani, Hitita, Hebreu (Israel e Judá), Fenícia, Urartu, Frígia, Lídia, Medo-Persa, Índia, China, Japão.


Templo do Sol em BaalbekFritz Max Hofmann-Juan

O Egito faraônico, a Índia, a China e o Japão, apesar da diversidade de características e situações, têm pontos em comum: um relativo isolamento em relação à agitação da Ásia Ocidental e uma extraordinária continuidade. O isolamento acentuou-se no Extremo Oriente e foi relativo no caso do Egito. A continuidade egípcia encerrou-se na Antiguidade, enquanto a do Extremo Oriente, de certa forma, prolonga-se até os dias atuais.

A continuidade da identidade política não quer dizer, porém, homogeneidade ou permanência das características histórico-culturais nem dos sistemas de governo.

O isolamento também deve ser matizado. Acentuado no Extremo Oriente, não impediu que a Índia participasse do contexto asiático-ocidental, por meio do comércio e das invasões que sofreu.

* O Estado. Nas sociedades orientais, o surgimento do Estado esteve ligado à organização religiosa.

O governo caracterizava-se pelo absolutismo autocrático, ou seja, o monarca enfeixava em suas mãos todos os poderes. Esse tipo de governo é genericamente definido como despótico.

Na medida em que Estado e religião eram identificados, o despotismo oriental foi reconhecido como uma teocracia (literalmente, governo de deus). Isso significa uma concepção divina do poder.


Funeral de uma múmiaFrederick Arthur Bridgman

No entanto, nessa concepção a identificação entre o monarca e as divindades tinha formas variadas. O rei podia ser considerado ele próprio um deus, em vida ou depois de morto. Podia também ser concebido como filho de um deus ou como seu representante junto ao povo, ou ser simplesmente o escolhido por um deus. A função do monarca, em qualquer caso, era considerada sagrada. Em todos os ritos religiosos oficiais, o rei cumpria a função de sumo-sacerdote.

A principal exceção ao caráter divino do governante no mundo antigo oriental foram as monarquias hebraicas. Nelas, o rei era apenas o ungido de deus. Sendo a sociedade hebraica monoteísta (crença em um único deus), não faria sentido conceber o rei como um ser divino.

[...]

* Cotidiano: a vida de homens e mulheres comuns. Pouco se sabe sobre a vida cotidiana dos homens e das mulheres comuns que construíram as civilizações orientais antigas. A maior parte dos registros e vestígios existentes, notadamente os escritos, refere-se e foi produzida para atender às elites religiosas, políticas, militares e sociais.

Informações ou, mais precisamente, conjecturas sobre o modo de vida e a cultura popular são extraídas dos registros pictóricos. Trata-se, em geral, de cenas mostrando pessoas comuns na realização de atividades cotidianas ou domésticas, que decoram objetos e monumentos. É preciso assinalar que a vida cotidiana, assim como todas as atividades sociais, também era profundamente relacionadas à religião.


Modelo de cozinha no Egito antigo: trabalhadores fabricando cerveja. XII dinastia (2050-1800 a.C.)

* Mulheres na Antiguidade Oriental. Sabe-se muito pouco também sobre a vida das mulheres na Antiguidade Oriental. De modo geral, elas ficavam restritas às atividades domésticas e pouco participavam do mundo oficial.

Os relatos gregos sobre o mundo oriental apresentam-nas completamente submetidas ao homem. Elas acompanhavam os exércitos nas guerras e sofriam tanto ou mais que os homens os reveses das derrotas: eram massacradas ou estrupadas e escravizadas. Além do mais, as que pertenciam às camadas pobres, tal como os homens nas mesmas condições, eram obrigadas a realizar todos os tipos de trabalho. Nas categorias sociais privilegiadas, embora não sofressem essas mazelas, as mulheres eram, em geral, confinadas em haréns e, qualquer que fosse sua condição - esposa, concubina ou escrava -, viviam isoladas da sociedade.

Na Antiguidade Oriental, a prostituição era comum. Na Ásia Ocidental, constituía uma instituição bastante generalizada, tanto na forma sagrada, quando se apresentava como um sacrifício ritual nos cultos aos deuses ou às deusas do amor e da fertilidade, como na forma profana, quando era um meio de subsistência.


O mercado de casamento da Babilônia,  Edwin Long. 

* O fim da Antiguidade Oriental. [...] ao contrário das civilizações do Extremo Oriente, as milenares civilizações da Ásia Ocidental e do Egito podem ser consideradas extintas.

Os seus antigos territórios, que, com raras exceções, não conservaram sequer os próprios nomes, são habitados por povos diferentes, que falam línguas diferentes e, enfim, desenvolveram processos históricos que não guardam nenhuma identidade com os antigos tempos. As novas civilizações, sobretudo, praticam outras religiões.

A religião era a base das civilizações antigas. Quando seus deuses imortais foram eliminados pelo deus único, dominante, essas bases ruíram e as civilizações que elas sustentavam desapareceram.

NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 40-48.

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