"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 25 de novembro de 2012

Índia antiga भारत

Buda, período Gupta

Por volta de 1500 a.C., um povo invasor entrou na Índia pelo noroeste. Eram pastores nômades com pele clara e que chamavam a si mesmos de arianos. Falavam um idioma pertencente à família linguística indo-europeia [...]. Por vários séculos após sua chegada, os arianos mantiveram um estilo de vida nômade baseada na criação de gado, e não foi senão por volta de 1000 a.C. que passaram a estabelecer povoamentos agrícolas. [...]

[...] O Mahabharata  [...] expõe a aventura mítica dos primeiros estágios da conquista da Índia. O Ramayana conta a história de um herói semidivino (Rama) e [...] (Sita), que é raptada por Ravena, o rei demônio do Sri Lanka. Ambos datam da mesma época dos épicos gregos [...].

Os outros grandes monumentos da antiga literatura indiana são os textos litúrgicos conhecidos como Vedas. Eles são o mais sagrado dos livros santos do hinduísmo, a primeira a surgir entre as grandes religiões mundiais. [...] Todos os Vedas foram escritos em sânscrito, uma língua clássica [...]. 

À medida que os invasores arianos se estabeleceram nessas novas terras, o desenvolvimento de sua cultura espelhou o dos gregos. Eles começaram a fabricar ferramentas e armas de ferro por volta de 1000 a.C. [...]. Eles se fixaram primeiramente no vale do Ganges, mas por volta de 400 a.C. seus povoamentos se estendiam bem mais ao sul, até o rio Godavari. O vale do Ganges tinha um clima mais úmido do que o do Indo, de modo que o cultivo básico era o arroz [...]. Agricultura fixa e tecnologia do ferro tornaram possível um substancial aumento na população. Por volta de 500 a.C., o conflito entre reinos tribais rivais resultara na consolidação de cerca de meia dúzia de Estados, cada um centrado em uma pequena capital defendida por muitos muros feitos com tijolos de lama.

Foi durante esse período de Estados em guerra que os livros sagrados da religião hindu assumiram a forma escrita. Até lá, seu conteúdo havia sido transmitido através das gerações de brâmanes, uma classe sacerdotal hereditária que constituía um dos patamares mais elevados no sistema de castas. A casta é uma rígida divisão em camadas da sociedade, remontando aos primórdios da invasão ariana [...].  O contato entre os membros de diferentes castas era limitado e estritamente controlado pelas normas sociais. Casamento entre pessoas de castas diferentes era raro. [...]

[...]

O hinduísmo é uma religião complexa e sutil. [...] Por ser mais antiga que outras, houve mais tempo para se desenvolver tal complexidade. [...] No imediatamente visível, o hinduísmo é uma complicada reunião de rituais e celebrações, permitindo a adoração de diversos deuses locais. Mas a religião tem outra face, que não é vista pelo observador casual. É a tradição filosófica de 3 mil anos, originada nos Upanixades, uma coleção de comentários sobre os Vedas, cujo tema é a busca pela verdade suprema e uma base para a moralidade. Para muitos hindus, essa busca é a essência de sua religião, não uma dada série particular de observâncias.

Por volta do século V a.C., outra religião surgiu no nordeste da Índia para se tornar uma das mais praticadas do mundo. Trata-se do budismo. Sua origem remonta aos ensinamentos de um príncipe do norte da Índia cuja família tinha por sobrenome Gautama. [...]

As opiniões e os ensinamentos de Gautama eram produtos da época e do lugar em que ele foi criado. O príncipe nasceu em uma sociedade em que o conceito de reencarnação [...] era um aspecto fundamental da crença religiosa. [...]

Diz a lenda que, quando estava com cerca de trinta anos, Gautama largou a esposa e o filho recém-nascido e partiu no meio da noite. Diz-se também que viajou por sete anos, vivendo uma vida austera e simples, na esperança de encontrar uma resposta para o problema do sofrimento por meio da meditação. A iluminação que finalmente afirmou experimentar levou-o a ser chamado de Buda ("o desperto").

Gautama aceitara inicialmente a ideia de que uma vida humana individual era somente um estágio em um ciclo sem fim, envolvendo o renascimento em diferentes formas. Mas ele acabou acreditando que o sofrimento e a desilusão eram consequências de desejos insatisfeitos, e de que o espírito humano podia escapar do perpétuo ciclo de renascimento sobrepujando o desejo [...]. Outra ideia pre-existente que foi incorporada pela doutrina do budismo era o de carma [...]. 

Um aspecto central do ensinamento de Gautama era a busca pelo Caminho do Meio: uma via entre os extremos da mundanidade absoluta e a autonegação estrita. Ele pregava a importância da meditação na busca do nirvana, um estado de paz e bem-aventurança, em que o espírito é capaz de ascender acima da dor e das desilusões da vida cotidiana. [...]

O budismo era basicamente uma religião sem deus, mas a necessidade que muitos seres humanos têm de alguém, ou algo, para adorar, posteriormente levaria à veneração de seu fundador como uma espécie de divindade. [...]

Nada promove mais uma religião do que a conversão de um soberano poderoso. No caso do budismo, esse impulso veio da notória conversão de um dos maiores soberanos da história indiana [...]: o imperador Asoka [...]. 

[...] A característica mais importante de seu reinado foi o infatigável empenho em persuadir pessoas de todas as crenças a trabalhar unidas em tolerância pelo bem geral [...]. Durante os 35 anos [...] no poder, ele se devotou à paz de seu reino e ao bem-estar de seu povo.

A admiração de Asoka pelo budismo não levou à criação de uma religião de Estado [...]. Tampouco conseguiu tomar o lugar do hinduísmo, muito mais antigo. Mas o prestígio associado ao encorajamento de um imperador, e o apoio ativo que ele proporcionou a seus missionários, resultou nas centenas de milhões de seguidores espalhados hoje pela Ásia Central, pelo Sudeste Asiático e pela China.

[...] O budismo ao qual aderiu manifestamente [...] pregava uma moralidade política que incluía a obrigação de combater a pobreza e a insegurança. Asoka tentou com afinco cumprir essa tarefa. Substituiu o princípio de conquista militar  por "conquista pelo darma" (o princípio da vida correta). Reduziu enormemente o tamanho de seu exército e direcionou os recursos excedentes para um grande programa de obras públicas: poços e tanques de banhos; hospitais (para pessoas e animais); hospedarias para os viajantes; e fontes de água para o gado. Promoveu a instrução feminina. Apoiou um regime de tolerância a todas as religiões e viajou amplamente por seus domínios, para observar por si mesmo a vida de seus súditos e assegurar a consecução de suas políticas. Designou comissários regionais, cujos deveres eram escutar queixas e prestar atenção especial às necessidades de mulheres e grupos minoritários. [...]

[...]

A dinastia Maurya, que terminou com Asoka, governou o mais populoso, e um dos mais prósperos, império que o mundo já vira. Na época de sua morte, a população da Índia girava em torno de 50 milhões de pessoas. [...]

[...]

No ano de 320, grande parte da Índia estava reunida sob uma nova dinastia, os Guptas. Os dois séculos que se seguiram foram um período de comércio ativo com países distantes, que renderam riquezas e luxos para os que se encontravam no topo da pirâmide social. Significaram também uma era dourada de realizações artísticas, com obras de arte à altura das que foram feitas por qualquer outra civilização na história. Entre elas figuravam magníficas esculturas de pedra e belíssimos objetos de cobre e bronze. [...]

A dinastia Gupta não foi notável apenas por suas realizações artísticas; foi também um importante ponto de escala na história da ciência. Ela testemunhou o reflorescimento das universidades que haviam trazido glória ao reinado de Asoka. Daí surgiu uma produção escrita que mais tarde inspiraria a cultura científica do islamismo, e por intermédio do islamismo a Revolução Científica na Europa. Ocupando posição de destaque entre as inovações científicas introduzidas pelos brilhantes matemáticos desse período está o sistema de notação que chamamos de algarismos arábicos. [...]

AYDON, Cyril. A história do homem: uma introdução a 150 mil anos de história humana. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 103-110.

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