"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 15 de março de 2013

Transmissão de tradições: a Grande Esfinge de Gizé


A Grande Esfinge e a Pirâmide de Gizé. Esculpida a partir de pedras calcárias locais, no terceiro milênio a,C., uma das mais antigas esculturas mundiais, retrata uma criatura meio humana, meio leão que se acredita ser um faraó.

O colossal monumento de pedra, conhecido como Esfinge, guarda as grandes pirâmides do antigo Egito na planície de Gizé. Possuindo mais de 10 vezes a altura de um ser humano, a Esfinge - uma escultura que é parte homem, parte deus e parte animal - foi construída por volta de 2600 a.C. Ela serve como uma poderosa lembrança do passado egípcio. Embora tendamos a considerar esses tesouros monumentais como memórias culturais imutáveis, esse não é o caso. No tempo do faraó Thutmose IV, na época de 1401 a.C., a Esfinge já era antiga, já havia sido alterada e necessitava de uma grande reforma. De acordo com as inscrições em uma placa de granito vermelho, erigida em frente à estátua, Thutmose removeu a areia do deserto e restaurou o corpo de leão danificado com grandes blocos de pedra-calcária, para a proteção contra a erosão do vento.

Após outros mil anos, os gregos e os romanos visitaram e novamente reformaram a Esfinge. O historiador grego Heródoto (século V a.C.) passeou pelo Vale e escreveu o guia turístico definitivo até antes do século XIX. Começando com os romanos, os visitantes também roubaram monumentos menores, mais fáceis de carregar, tentando se apropriar de seus poderes como ícones históricos. A apropriação da história, aparentemente, é tão antiga quanto os monumentos. No século XV, líderes islâmicos desfiguraram a grande escultura, temendo que os egípcios locais ainda prestassem homenagens à sua grandiosidade e durabilidade. Um provérbio árabe diz que "o homem teme o tempo, mas o tempo teme as pirâmides". Saqueadores modernos, na forma de caçadores de tesouros e cientistas, apareceram na época do imperador francês Napoleão, cujas tropas invadiram o Nilo, em 1789, e redescobriram a Esfinge, seguidos por exploradores e arqueólogos europeus que começaram a cavar centenas de tesouros antigos, que eventualmente foram encaminhados para museus e coleções ao redor do mundo.

Hoje, se a Grande Esfinge pudesse olhar para trás, ela contemplaria uma paisagem transformada, desfigurada por restaurantes de fast-food, poluição do ar e turistas. A vista à sua frente permanece como as areias do deserto do Saara; como as areias do tempo, elas estão sempre mudando. Que a Esfinge e outros monumentos do Vale do Nilo sobrevivessem aos milênios era precisamente a intenção dos egípcios, que os construíram e pintaram com cores vivas na antiguidade. Contudo, sua intenção também era a de que nunca mais alguém entrasse nesses monumentos. Enquanto as gerações posteriores trataram as grandes estruturas como monumentos humanos, para os antigos egípcios esses monumentos eram algo cósmico e eterno. Ainda assim, a deterioração das faces de pedra da Grande Esfinge continua em uma velocidade alarmante. Talvez seja apropriado que o símbolo do serviço de internet América Online seja uma pirâmide, pois as centenas de sites dedicados ao antigo Egito talvez logo sejam a única forma de visitar tais monumentos como a Grande Esfinge.

A memória não é nem tão durável nem tão monumental como uma pirâmide. Ideias sobre o passado podem ser inseridas nos relatos que os historiadores contam ou nas canções que as crianças cantam. Elas podem refletir nos objetos ou nas tecnologias que criam o mundo material. [...]

GOUCHER, Candice; WALTON, Linda. História mundial: jornadas do passado ao presente. Porto Alegre: Penso, 2011. p. 271-272.

Nenhum comentário:

Postar um comentário