"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 7 de abril de 2013

A crucificação de Jesus: 7 de abril de 30

A crucificação, Simon Vouet

Como todos os anos, os habitantes de Jerusalém festejam a Páscoa, comemorando a libertação dos hebreus por Moisés. A cidade está em plena efervescência por causa de numerosos peregrinos judeus vindos das grandes cidades da Diáspora para participar das festividades. Para evitar que essa afluência incomum provocasse perturbações, o procurador da Judéia, Pôncio Pilatos, veio de Cesareia para Jerusalém, onde pretende residir por algumas semanas.

Correm rumores pela multidão: Jesus de Nazaré foi detido. A maioria dos habitantes de Jerusalém conhece muito bem esse galileu que, várias vezes, esteve em sua cidade com um grupo de companheiros. Seus ensinamentos e suas intervenções miraculosas o tornaram célebre na Judéia e na Galiléia. Todos sabem também que Jesus atraiu a inimizade dos fariseus (judeus intransigentes) e do Sinédrio (conselho de 71 membros que gerem a vida religiosa do templo de Jerusalém). Por isso ninguém realmente ficou surpreso ao saber que a polícia do templo prendeu Jesus no jardim de Getsêmani, no decorrer da noite de quinta para sexta-feira.

Jesus é conduzido à casa do sumo-sacerdote Caifás, onde comparece perante um tribunal composto por membros do Sinédrio. Depois de um simulacro de processos, é condenado por blasfêmia, porquanto ousa dizer-se Messias e filho de Deus. O Sinédrio, no entanto, não é habilitado para pronunciar uma condenação à morte. Por isso, de madrugada, Jesus é conduzido até a residência do procurador romano.

Pilatos se mostra reticente a tomar posição num negócio que se refere apenas aos judeus. As autoridades religiosas lhe afirmam que Jesus se apresenta como rei dos judeus, o que subentende que fomenta uma revolta para expulsar os romanos da Judéia. Pouco convencido, Pilatos recorre a um expediente: todos os anos, por ocasião da Páscoa, liberta um prisioneiro. Ora, na prisão de Jerusalém está um bandido, chamado de Barrabás, chefe de quadrilha, condenado por assassinato. Três vezes, Pilatos propõe à multidão soltar Jesus ou Barrabás. Três vezes, a multidão pede a libertação de Barrabás e exige a crucificação de Jesus.

A partir desse, o processo legal começa. Jesus e dois outros condenados são primeiramente açoitados. Por escárnio, os legionários jogam aos ombros de Jesus um manto vermelho, colocam em sua cabeça uma coroa de espinhos e nas mãos um caniço. Depois se ajoelham diante de sua vítima clamando: "Salve, rei dos judeus!"

No início da madrugada, põe-se em movimento o cortejo que leva os condenados ao local da execução. A crucifixão é o castigo mais infamante do arsenal repressivo da justiça romana. Ela ocorre em público, num local suficientemente elevado, para que o condenado possa ser visto por todos. Em Jerusalém, a colina de Gólgota é destinada aos suplícios. Geralmente os condenados se apresentam inteiramente nus. Na Judéia, costuma-se deixá-los vestidos, pois ver a nudez é uma impureza religiosa para os judeus. Cada um dos três homens carrega sobre os ombros o patibulum, viga transversal que será fixada na crux (cruz), poste de 2 a 3 metros, erguido permanentemente no local do suplício. Jesus, muito enfraquecido pelas provas da noite, tropeça várias vezes. Os soldados requisitam um assistente, Simão de Cirene, para que ele carregue o patibulum do galileu.

Sob os impropérios da multidão, os condenados chegam ao Gólgota, Retiram-lhes as vestimentas e lhes dão de beber vinho misturado com mirra para abrandar a dor. Seus braços são fixados no patibulum com pregos fincados nos pulsos (ou eram atados com cordas, outra forma de crucifixão praticada na época). Em seguida, os soldados içam com cordas a viga para o topo da crux até que os pés dos homens não toquem mais o solo. Bate-se um prego no meio de seus pés superpostos. Finalmente, fixa-se um cartaz que indica em três línguas (latim, grego, aramaico) a identidade de cada homem e a causa de sua condenação. Acima de Jesus, a tabuleta traz, como um deboche, a inscrição "Jesus de Nazaré, rei dos judeus".

Começa então a agonia. Os crucificados morrem lentamente por asfixia. Não há mais muita gente no Gólgota: duas ou três sentinelas, os parentes mais próximos dos condenados. Só uma vez Jesus geme: "Tenho sede". Um soldado compassivo lhe alcança uma esponja embebida de posca, bebida refrescante dos legionários romanos, feita de uma mistura de água, vinagre e ovos batidos. Mal bebeu, Jesus dá seu último suspiro. Mais resistentes, os dois outros crucificados estão ainda vivos ao pôr-do-sol. As autoridades judaicas pedem então a Pilatos que apresse sua morte, porque é proibido proceder ao enterro de cadáveres durante o shabbat que começa. Os soldados quebram as pernas dos bandidos que morrem quase imediatamente. Os corpos são destacados da cruz. Um dos fiéis de Jesus, José de Arimateia, o envolve num lençol e o deposita num túmulo que possui não muito distante do lugar do suplício.

SALLES, Catherine (dir.). Larousse das civilizações antigas. São Paulo: Larousse do Brasil, 2008. p. 258-259.

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