"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Os mistérios na Grécia antiga. Elêusis. Orfismo

Além da mitologia, existia o ritual. Nesse ritual dos antigos helenos, acham-se elementos de vetustas magias: ritos para a obtenção da fertilidade, sacrifícios aos espíritos, aos deuses ou aos demônios inimigos.

"Algumas dessas sobrevivências - diz Dampier - eram sem dúvida largamente espalhadas e, prolongadas aos tempos clássicos, constituíram provavelmente a substância dos mistérios elêusicos e órficos. Contra esse fundo sombrio e perigoso ergueran-se, a mitologia olímpica de um lado e, de outro, a filosofia e ciência primitivas". 

Os mistérios eram cerimônias secretas, vinculadas ao culto de alguns deuses, às quais só podiam assistir os fiéis que tivessem passado por uma iniciação. Sua revelação castigava-se com penas que chegavam até a morte.

O mais famoso desses cultos misteriosos era o de Elêusis, pequena localidade próxima de Atenas, à beira-mar. Nos mistérios de Elêusis venerava-se Deméter, deusa da terra fecunda, cuja filha Coré (Perséfone) tinha sido raptada por Hades, de quem se tornara esposa. Coré volta, por seis meses, à superfície da terra; e Deméter, novamente alegre, espalha seus dons por entre os homens (primavera e verão). Mas Coré deve retornar às entranhas da terra, e Deméter se entristece (outono e inverno). O ciclo da vegetação se repete anualmente: é o mito de Deméter. Do periódico alternar-se da morte e ressurreição dos frutos da terra devia surgir a noção da ressurreição da alma, não aniquilada com a morte. Os gregos tinham a esperança de que o homem pudesse tornar à vida - após a morte. E acreditavam que isso pudesse ser obtido mediante os ritos secretos, celebrados pelos iniciados.

Mistérios de Elêusis. Hydra, ca. 340 a.C.


As cerimônias constavam de banhos purificadores (no mar), jejuns rituais, a representação do drama sagrado (a história de Deméter: o rapto de sua filha Perséfone), jogos, procissões e cenas de caçoada e de regozijo. O iniciado (mystes) era considerado um privilegiado, não só neste mundo, mas também após a morte.

O culto de Orfeu entrelaça-se ao de Dionísio. A mitologia ensinava que Dionísio fora devorado pelos Titãs, filhos da Terra e do Céu, dos quais descende o homem. Assim, pois, há simultaneamente dois elementos opostos na criatura humana: um, que é material, rude, provindo dos Titãs; outro espiritual, divino, herdado de Dionísio. A fim de redimir-se do pecado dos Titãs, os homens tinham de sublimar a alma, aprisionada na mesquinha roupagem carnal. Deviam submeter o corpo a normas rígidas de ascetismo e amoldar o comportamento a princípios duma rigorosa ética. Desta forma, graças à vitória do elemento divino, haveria uma ressurreição - que seria eterna - e a morte seria derrotada definitivamente.

A partir do século VI a.C., o orfismo se espalhou por todo o mundo. Foi sempre um culto esotérico, como iniciados reunidos em confrarias secretas. O orfismo colaborou na difusão da crença na vida de além-túmulo, que seria a recompensa duma vida nobre na terra. Tais ideias infiltraram-se no culto a Deméter - e reaparecem, nitidamente, no cristianismo. Elas se encontram no Novo Testamento (que, lembremos, foi redigido em idioma grego).

BECKER, Idel. Pequena história da civilização ocidental. São Paulo: Nacional, 1974. p. 103-104.

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