"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 1 de setembro de 2013

Arte românica: histórias em pedra

Com a instituição da fé católica romana, uma onda de construção de igrejas varreu a Europa feudal de 1050 a 1200. Os construtores tomaram emprestado elementos da arquitetura romana, como colunas e arcos redondos, surgindo assim o termo "romana" para definir a arte e a arquitetura desse período. No entanto, como os prédios romanos tinham tetos de madeira, muito suscetíveis a incêndios, os artesãos medievais passaram a fazer os tetos das igrejas em abóbodas de pedra. Com esse sistema, abóbodas cilíndricas ou com arestas apoiadas em pilastras proviam grandes espaços, livres de colunas e obstáculos.

Levando em conta a peregrinação, muito em moda na época, a arquitetura das igrejas é adequada para receber as multidões em visitação maciça a relicários de roupas e ossos de santos, ou de pedaços da Santa Cruz trazidos pelos cruzados. A planta é cruciforme, com uma longa nave atravessada por um transepto mais curto, simbolizando o corpo de Cristo crucificado. As arcadas permitiam andar pelos corredores periféricos sem perturbar os serviços religiosos na nave central. O chevet ("travesseiro" em francês), assim chamado por ser concebido como o lugar para descanso da cabeça de Cristo preso à cruz, é a parte atrás do altar, capelas semicirculares onde se guardam os relicários.

O exterior das igrejas romanas é bastante despojado, exceto pelos relevos esculturais em volta do portal principal. Como a maioria dos fiéis era analfabeta, as esculturas ensinavam a doutrina religiosa, contando histórias gravadas na pedra. A escultura ficava concentrada no tímpano, que é o espaço semicircular entre o arco e o dintel da porta central. Cenas da ascensão de Cristo ao trono celestial eram muito populares, assim como sombrios dioramas do Juízo Final, em que demônios agarram almas desesperadas e diabos horríveis estrangulam e cospem nos corpos nus dos condenados.

Devido ao contato da península itálica com a civilização bizantina, a arte da pintura nunca foi abandonada, mas no fim do século XIII sua técnica floresceu. Mestres como Duccio Martini, de Siena, e Cimabue e Giotto, de Florença, trocaram o estilo congelado bizantino por formas mais suaves, mais vivas. Os afrescos (pinturas em alvenaria úmida) de Giotto di Bondone, c. 1266-1337, foram os primeiros, desde o período romano, a sugerir peso e curvas nas formas, marcando o advento do que viria a se tornar o papel principal da pintura na arte ocidental.


O nascimento da Virgen, Giotto di Bondone

Com hordas de saqueadores devastando as cidades do antigo Império Romano, os monastérios eram tudo o que restava entre a Europa Ocidental e o caos generalizado. Monges e freiras copiavam manuscritos, mantendo vivas a arte de ilustração em particular e a civilização ocidental em geral.

Nessa época, os rolos de papiro usados do Egito a Roma foram substituídos pelos códices de pergaminho de pele de boi ou de carneiro, feitos de páginas separadas unidas por uma das extremidades. Os manuscritos eram considerados objetos sagrados que continham a palavra de Deus. Eram profundamente decorados, de maneira que sua beleza exterior refletisse a sacralização do conteúdo. Tinham capas de ouro cravejadas com pedras preciosas e semipreciosas. Até o desenvolvimento da tipografia, no século XV, esses manuscritos eram a única forma existente de livros, preservando não somente os ensinamentos religiosos, mas também a literatura clássica.

STRICKLAND, Carol. Arte comentada: da pré-história ao pós-moderno. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p. 26-27.

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