"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 7 de março de 2014

A sociedade asteca: os que obedecem

A grande massa do povo é constituída pelos Macehualli, que trabalham no campo e nos serviços pesados. São homens relativamente livres. Cada um deles tem o direito ao usufruto da terra de propriedade comum do Calpulli, de construir nele sua casa e de trabalhar a terra. Seus filhos são admitidos nas escolas do bairro e a família toda participa nos rituais e na distribuição de roupas e alimentos que os poderes públicos realizam frequentemente. O Macehual participa na escolha da autoridade local - que será confirmada pelo Imperador - e, de acordo com seu valor pessoal e sua capacidade intelectual, pode ascender a altos postos.


Macehualli, ca. 1500. Museu Nacional de Antropologia, México

As obrigações que deve cumprir, são bastante exigentes. Vejamos algumas:

* deve fazer o serviço militar, que tem o caráter de um ritual religioso;
* colaborar na limpeza, conservação e construção de estradas, pontes e templos;
* pagar tributos em espécies, e fornecer água e lenha para o palácio onde as autoridades moram.

Estas obrigações se referem aos Macehualli das três cidades que fazem parte da confederação que mencionamos, encabeçadas por Tecnochtitlán. Mas para aquele que vive e trabalha no campo, as coisas se complicam. Ele é o produtor da maior parte dos alimentos, o fabricante dos produtos de artesanato e o trabalhador das grandes construções sem receber nada em pagamento. Os excedentes daquilo que produz formam a grande quantidade de tributos que vão para a capital. Resta-lhe, com todas essas exigências, um privilégio: ninguém pode expulsá-lo da terra que trabalha e nem do Calpulli ao qual pertence. Nada pode separá-lo do seu meio social e de seus deuses. A única exceção é para os delinquentes: para eles, o castigo é bastante rigoroso.

A civilização que chamamos Asteca e a estrutura política que ela apresenta no momento da conquista está apoiada no trabalho destes homens e na sua habilidade no combate. O poder supremo, para solidificar-se e ampliar-se,  precisa dar-lhes um mínimo de direitos. O direito a trabalhar a terra é a condição para que o Macehual subsista como pessoa, mas também para que ele produza excedentes tributáveis, para que lute com ardor na guerra, para que se integre sem grandes resistências nas grandes empresas de construção.

Abaixo dos Macehualli há uma categoria de pessoas - parece que não muito significativa numericamente - que não possui terra. Presume-se - sem por isso ter certeza absoluta - que são pessoas que fugiram de suas tribos originais por desavenças, guerras, etc. Parece que são incorporadas às glebas destinadas aos Tecuhtli, onde prestam serviços em troca do alimento. Sabe-se que não pagam tributo e nem são obrigados a desempenhar trabalhos para a coletividade. Dependem do senhor que os acolheu, o que não os exime do serviço militar e de ser julgados sob a jurisdição do soberano. Qual é o seu grau de liberdade ou dependência? É difícil dizer. De qualquer maneira, seus deveres e direitos não os colocam na condição de Macehualli, ainda que tenham algumas obrigações em comum.

O estrato mais baixo da sociedade mexicana está representado pelos Tlatlacotin, que alguns autores equiparam aos escravos. No entanto, esta palavra evoca imediatamente uma imagem que não corresponde à real situação destas pessoas. Sem dúvida, eles têm um grau de vinculação com um amo, o que não os impede de tornar-se livres em certas circunstâncias. Em troca de trabalho, obtêm casa e comida. Não são proibidos de possuir bens, nem de contrair matrimônio com pessoa de condição social superior.

POMER, León. História da América hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 13-4.


NOTA: O texto "A sociedade asteca: os que obedecem" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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