"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 11 de maio de 2014

A 1ª Guerra Mundial: As batalhas nas negociações de paz [Parte VIII]

A chegada dos alemães, George Wesley Bellows

A paz havia chegado, mas o que isso significava Todas as nações a desejavam, cada uma em seus termos. Mais de um ano antes do fim da guerra, os planos de paz começaram a surgir. Em agosto de 1917, o papa Bento XV esperava que as fronteiras voltassem a ser as mesmas que existiam antes dos conflitos. Em janeiro de 1918, o presidente Wilson apresentou em Washington seus Catorze Pontos (e uma piadinha da época dizia que só um professor exigiria tantos pontos assim). Wilson queria um parlamento mundial permanente e uma Liga das Nações que pacificasse e sanasse problemas. A ideia não era originalmente sua, mas ele lhe deu força. Queria uma paz branda, para o perdedor.

Oito meses mais tarde, na casa de ópera de Nova York, com milhares de rostos ansiosos diante de si e o fim da guerra quase à vista, Wilson apresentou sua opinião que certamente não impressionou os franceses. Deixando implícito que a França, em especial, deveria perdoar e esquecer, defendeu um tratado de paz em que houvesse clemência. Conclamou as grandes nações vitoriosas a, uma vez terminada a guerra, oferecer “justiça imparcial” e rejeitar o egoísmo econômico. Por alguns meses, aos olhos de centenas de milhões de pessoas, ele pareceu falar em nome de quase todos os povos do mundo e até mesmo dos muitos soldados que jaziam silenciosos em seus túmulos.

Um mês após o fim da guerra, o presidente partiu para a Europa. Louvado como o estadista que distribuía remédio para um mundo doente, foi bem recebido na França e depois na Inglaterra, mesmo por aqueles que não entendiam perfeitamente o conflito entre aquela mensagem e suas próprias atitudes. Ao chegar a Roma e Milão, Wilson viu cartazes que diziam “Boas-vindas ao deus da paz”. Quando, por fim, o poderoso líder chegou à conferência de Paris, era como se um halo brilhasse em torno de sua cabeça. Esse halo, no entanto, não era visível para outros grandes estadistas. Clemenceau, a voz da França, então com 77 anos de idade, apesar de tratar o visitante de maneira cortês e mesmo afetuosa, achava que a mensagem de Wilson nada tinha a dizer ao povo sofrido da França.

Líderes das nações vencedoras, reunidos em Paris para longas discussões, estavam menos interessados do que Wilson em sua ideia de uma paz justa e boa. Tendo carregado o fardo e sofrido as dores de uma guerra longa, queriam uma compensação consistente da Alemanha e da Áustria. Em Paris, os vencedores queriam dividir a área central da Alemanha, o que acabaram fazendo. E desejavam tomar todas as suas colônias, o que também fizeram. Tendo confiscado sua marinha e dispersado seu exército, impuseram uma imensa multa à Alemanha, chamada de reparação, como reembolso de parte dos custos da guerra. Como, em 1871, a Alemanha tinha imposto uma paz cruel à derrotada França, esse novo tratado de paz assinado em Versalhes em 1919 repetia o mesmo espírito punitivo. A pena de 1919, no entanto, foi ainda mais severa.

O tratado de paz insistia – de maneira não muito lógica nem justa – em que a Alemanha e o imperador Wilhelm II eram os únicos culpados pela guerra. Muitos alemães sentiram-se traídos, e como razão. Lembravam-se vivamente de que, antes da assinatura do armistício, o próprio Wilson lhes havia prometido uma paz justa. Essencialmente, em sua fala expressiva, o presidente havia feito uma série de promessas sinceras, mas irresponsáveis, as quais suas mãos atadas não poderiam cumprir.


A assinatura da paz no Salão dos Espelhos, Versalhes, 28 de junho de 1919. William Orpen

A Europa se alegrava com a paz, mas esta era diferente da que havia antes de 1914. A guerra tinha desfeito as ligações de comércio, destruído milhares de vilarejos rurais, devastado extensas áreas de pasto e plantações, matado milhões de cabeças de gado, avariado centenas de ferrovias e pontes e afundado mais navios cargueiros do que existiam no mundo em 1900. Os problemas se manifestavam em todas as facetas do dia a dia, especialmente no Leste Europeu. Em 1919, o leite era tão escasso nas cidades que crianças pequenas morriam e a alimentação da maior parte das pessoas não continha gordura. Em muitos distritos, não se semeava. No primeiro inverno pós-guerra, muitas pessoas não possuíam botas nem sapatos e não conseguiam comprar carvão para seus fogões, uma vez que pouco transporte era feito nas ferrovias danificadas. Essas foram observações extensivamente registradas pelo diretor britânico de auxílio humanitário, sir William Goode, que trabalhou no Leste Europeu em 1919. Ele percebeu o contraste entre "os ricos nervosos e os pobres esfomeados", especialmente em Viena.

Ao mesmo tempo, outro mal ainda mais devastador ocorria. Um novo surto de gripe, iniciado nos campos de batalha da França em 1918, espalhou-se pelo mundo. Atingiu até mesmo grupos de aborígenes, em lugares remotos da Austrália, e assentamentos nas selvas africanas e sul-americanas. Matou milhares de pessoas na Índia. Apareceu em navios em alto-mar. Chamada de gripe espanhola, fez mais vítimas do que a Primeira Guerra Mundial.

Um tratado de paz desenhado a muitas mãos - e punhos também - é inevitavelmente um labirinto de meios-termos e um conflito de princípios. Uma vez assinado o tratado em Versalhes, Wilson teve de convencer os próprios compatriotas a acatá-lo. Teve de persuadir a população de que a Liga das Nações, prestes a ser constituída, seria benéfica para os Estados Unidos tanto quanto para a Europa e o resto do mundo. Aos olhos de uma nação com forte tradição de isolacionismo, orgulhosa de haver crescido graças principalmente aos próprios esforços e desejosa de permanecer dona de seu nariz, a liga parecia um tanto ameaçadora.

Wilson voltou para casa confiante de que seu país seria o mais influente na Liga das Nações. A opinião pública em geral estava com ele, e 33 governadores o apoiavam, mas os céticos se multiplicavam. Ele não era mais o rei em sua terra, tendo perdido o controle do senado e do congresso. Viajando de trem pelo país, apertando mãos estendidas desde as cidades atlânticas até o porto de San Diego, no Pacífico, dirigindo-se inflamadamente às milhares de pessoas que se reuniam em seus discursos ao ar livre, Wilson se esgotou. Os músculos de seu rosto começaram a se contrair em espasmos. Em 2 de outubro de 1919, de volta a Washington, sofreu um derrame que lhe deixou o lado esquerdo do corpo paralisado. Sua segunda mulher, Edith, assumiu muitas das responsabilidades cívicas do marido, até que, cerca de um ano mais tarde, o mandato chegou ao fim. O legado de Wilson foi uma Liga das Nações da qual seu país se recusou a participar.

A liga, cujo primeiro encontro se deu em 1920, parecia ser o farol do mundo. Seu objetivo era prevenir guerras e impor a justiça social. Pretendia proteger os povos que viviam sob o domínio europeu, acabar com os resquícios da escravidão e suavizar o fardo dos que trabalhavam duro todos os dias. Era como um parlamento com duas câmaras: uma pequena e poderosa, que se reunia com mais frequência, e uma assembleia geral de todas as nações participantes, que se encontrava anualmente.

O conselho inaugural era composto de quatro membros regulares - Grã-Bretanha, França, Itália e Japão -, complementado pelos representantes eleitos dentre os componentes da assembleia. A ausência de Estados Unidos, China, União Soviética e Alemanha foi um rude golpe no prestígio e na influência do conselho. Dois desses quatro países estavam ausentes simplesmente porque os derrotados na guerra não tinham o direito de participar da nova liga. Além disso, os participantes da assembleia não representavam o mundo todo, sendo esta composta predominantemente por países europeus e suas antigas colônias de além-mar. O Império Britânico se destacava particularmente, pois os 29 membros iniciais da liga incluíam Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e a Índia britânica.

A liga tinha como objetivo solucionar desavenças que, do contrário, poderiam resultar em guerra. Inicialmente, essa meta parecia atingível. Os finlandeses e os suecos, que disputavam algumas ilhas bálticas, concordaram que a liga deveria resolver o problema e, consequentemente, aceitaram que tais ilhas fossem anexadas à Finlândia. A questão mais preocupante era se as potências aceitariam tais decisões. A Itália de Mussolini deu a resposta esclarecedora: em uma disputa pela ilha grega de Corfu, em 1923, o país inicialmente desconsiderou a sentença da liga.

BALINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 71-75.

NOTA: O texto "A 1ª Guerra Mundial: As batalhas nas negociações de paz [Parte VIII]" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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