"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Ditadura no Brasil: do Estado Novo à ditadura militar

Ditadura militar: repressão

Nos momentos de instabilidade política, um Estado de perfil autoritário se apressa em nomear seus inimigos: anarquistas, comunistas, integralistas, feministas, terroristas. Serão eles os alvos prioritários da política repressiva.

O Brasil vivenciou dois momentos críticos de ditadura que cercearam o exercício da democracia: durante o Estado Novo comandado por Getúlio Vargas (1937-1945) e durante a ditadura militar (1964-1985). Em ambos os períodos, a sociedade brasileira esteve sob a tutela de um Estado que agiu apoiado por um conjunto de aparelhos repressivos cuja ação trouxe graves conseqüências para o país.

Tanto durante a ditadura estadonovista quanto sob os militares, o Estado procurava evitar que ocorresse uma suposta revolução político-social no Brasil. Para reforçar esta missão, nos dois momentos foi criada uma polícia especial que deveria identificar e coibir reações políticas adversas, armadas ou não, que colocassem em perigo “a ordem e a segurança públicas”. Uma legislação específica para legitimar a repressão foi aprovada em 1935, e voltou a ser invocada na ditadura militar. Ela incluía a Lei de Segurança Nacional (LSN), o Tribunal de Segurança Nacional (TSN) e as figuras do Estado de Sítio e do Estado de Guerra. A LSN foi promulgada em 1935, definindo os crimes de ordem política e social. Em 1936, a LSN foi reforçada pela criação do Tribunal de Segurança Nacional, órgão da justiça militar cujo foco se voltou para os comunistas envolvidos com o fracassado levante de novembro de 1935. Entre setembro de 1936 e dezembro de 1937, 1,420 pessoas foram sentenciadas por este tribunal de exceção.

Após o golpe de 1964, as atividades da Polícia Política foram (re)orientadas pelos Atos Institucionais e pela outorga da Constituição de 1967 que, no seu conjunto, (re)instalaram o Estado de Segurança Nacional, Criou-se também uma rede de informações de combate à subversão, preconizada pela “Doutrina de Segurança Nacional”. Todos os demais órgãos repressivos estavam subordinados ao Serviço Nacional de Informações (SNI). Importante função foi delegada ao Departamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna – o conhecido DOI-Codi – no qual se concentraram representantes de todas as forças policiais.

Assim, a tradicional lógica da desconfiança estava agora armada por uma logística militar, oferecendo estratégias adequadas aos agentes da repressão interessados em aniquilar os grupos revolucionários. Preocupadas em comprovar o crime político, as autoridades procuravam manter a população sob constante vigilância. Agentes produziam informações que eram direcionadas ao SNI e aos órgãos de inteligências militares (Ciex, Cisa e Cenimar). Órgãos de repressão subordinados ao staff do regime foram instalados por todo o país sob a coordenação de um militar assessorado por uma elite de informantes. Agentes invisíveis emergiram de todos os poros da sociedade, que passou a viver em constante estado de alerta. Associações identificadas com as ideologias conservadoras – como a Tradição, Família e Propriedade (TFP), o Comando Geral Democrático e o Comando de Caça aos Comunistas – começaram a cooperar com o regime na luta contra o inimigo-maior: os comunistas. Outras informações eram obtidas sob tortura ou através de delações anônimas. A morte clandestina, as extorções generalizadas e a arbitrariedade tomaram conta dos porões do DOI-Codi após 1964.

Dentre os profissionais mais visados como “subversivos da ordem” estavam jornalistas, escritores, artistas, músicos, estudantes, livreiros, gráficos e editores. Com base na Lei de Segurança Nacional, cabia às autoridades policiais desvelarem os segredos daqueles que, como arquitetos de um complô verdadeiro ou imaginário, viessem a minar a ordem estabelecida. Para isso, confiscou-se grande número de fotografias, correspondência particular, catálogos, periódicos, livros e objetos pessoais, todos devidamente anexados aos autos de investigação.

Sucederam-se prisões ilegais de suspeitos, perseguições aos familiares, censura postal, invasões de domicílios, deportações de estrangeiros, tortura e morte nos cárceres. Toda e qualquer arbitrariedade era justificada pela lógica da desconfiança. Os militares assumiram o papel de condutores da nação, afastando os civis das esferas de decisões políticas e transformando-os em meros coadjuvantes. A dor e o terror tornaram-se estratégias de controle das multidões.

[...]

Já vivemos tempos sombrios, e não queremos que ressurjam. Cabe ao historiador, consciente dos silêncios propositais, desconstruir as versões divulgadas por qualquer Estado autoritário. Como num quebra-cabeças, nem todas as peças se encaixam. Registros comprometedores são escondidos e eliminados. Interessa ao autoritarismo que a história continue mal escrita.

Maria Luiza Tucci Carneiro. “Quando um país se apequena”. In: Revista de História da Biblioteca Nacional.Ano 9 / Nº 103 / 2014. p. 22-25.

NOTA: O texto "Ditadura no Brasil: do Estado Novo à ditadura militar" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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