"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O populismo no Brasil: o governo Juscelino Kubitschek

JK: o presidente bossa-nova

Nas forças armadas, paralelamente aos nacionalistas e antinacionalistas, havia aqueles dispostos a garantir que a Constituição fosse respeitada. Alguns autores definem esse segmento como "legalistas". A suspeita de que o presidente estava tramando um novo golpe fez com que os antinacionalistas conseguissem apoio dos legalistas. É nesse contexto que se interpreta o suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido em 24 de agosto de 1954: um derradeiro gesto político, através do qual ele conseguiria sensibilizar as massas populares, ao mesmo tempo que esvaziava a aliança golpista no interior das forças armadas.

Dessa vez, o presidente acerta: os levantes populares que se seguiram a seu suicídio inviabilizaram a ação militar. No período que se estende até 1955 são preparadas novas eleições presidenciais. Sintomaticamente, a UDN busca um candidato militar na figura do general Juarez Távora. O PTB, por sua vez, procura se aproximar do PSD, que tem como candidato Juscelino Kubitschek. Combatendo o salário mínimo, o direito de greve e o ensino gratuito, os udenistas são novamente derrotados. Juscelino e o vice-presidente eleito, João Goulart, não encontram um ambiente político favorável. Alegando a necessidade de maioria absoluta nas votações presidenciais, em 11 de novembro de 1955, os quartéis voltam a dar sinais de descontentamento. Uma vez mais a corrente militar antinacionalista tenta conseguir apoio dos legalistas, mas esses últimos se negam e garantem a posse do novo presidente.

[...] após 1945, as intervenções militares no sistema político não eram um fato isolado, mas sim uma prática rotineira, que irá se repetir em 1961, alcançando, em 1964, o sucesso esperado. Voltemos, porém, a Kubitschek. Ele representou uma ruptura? Ora, no melhor estilo do PSD mineiro, do qual ele era originário, a resposta é "sim e não". Em outras palavras, o novo presidente procurou conciliar bandeiras comuns aos nacionalistas e antinacionalistas. Promove os primeiros no exército, aprofunda práticas de intervencionismo estatal, mas, ao mesmo tempo, abre a economia para os investimentos estrangeiros.

O novo governo, aliado ao PTB, conserva traços populistas. No entanto, a política econômica representa uma alteração profunda em relação ao modelo precedente. Durante os dois governos Vargas, a prioridade do desenvolvimento nacional consistiu no crescimento da indústria de base, produtora de aço ou de fontes de energia, como o petróleo ou a eletricidade. Naquele modelo, a iniciativa estatal predominava e os recursos para o crescimento econômico advinham da agricultura de exportação. Pois bem, Juscelino Kubitschek altera a forma de nosso crescimento industrial, instituindo o que os historiadores economistas chamam de tripé: a associação de empresas privadas brasileiras com multinacionais e estatais, essas últimas responsáveis pela produção de energia e insumos industriais.

A diferença desse modelo em relação ao anterior estava no fato de os bens duráveis, como foi o caso da produção de automóveis por multinacionais, passarem a ser o principal setor do processo de industrialização. Graças ao investimento das empresas estrangeiras, a nova economia brasileira tornar-se-ia mais independente em relação às crises do setor agro-exportador. No entanto, o modelo tripé tinha consequências nefastas. Por disporem de fartos recursos de seus países de origem, a produção das multinacionais aqui instaladas podia crescer em ritmo mais acelerado do que a produção de base, implicando assim um aumento das importações de insumos industriais, fator responsável pelo progressivo endividamento externo do Brasil. Mais ainda: para estimular a implantação dessas empresas foram facilitadas as remessas de lucros para as matrizes, o que implicava no desvio de valiosos recursos da economia brasileira.

A curto prazo, porém, o modelo industrial de Juscelino foi um sucesso. A economia atingiu taxas de crescimento de 7% e até mesmo 10% ao ano. Isso permitiu que um ambicioso Plano de Metas - popularmente conhecido como "50 anos em 5" -  alcançasse um estrondoso sucesso. As rodovias são multiplicadas, o número de hidrelétricas cresce além do previsto, o mesmo ocorrendo com a indústria pesada. Na área de produção de alimentos, o presidente estimula uma tendência, existente desde os anos de 1930, que consistia em ampliar a fronteira agrícola em direção a Goiás e Mato Grosso - o que, aliás, levou ao extermínio de novos povos indígenas. Coroando essa política ambiciosa, a capital é transferida: no cerrado do Brasil central surgia Brasília.

Diante de tais feitos, a própria UDN abandonou provisoriamente o discurso anticomunista, em prol de críticas à má gestão dos negócios públicos, à corrupção e à inflação que se intensifica no período. Apesar disso, respira-se certa tranquilidade política, pois o crescimento econômico também permitiu o aumento dos salários - que, em termos reais, no ano de 1959, atingiram valores até hoje não ultrapassados -, reforçando assim o apoio dos trabalhadores ao PTB, base aliada do governo juscelinista.

PRIORE, Mary Del; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da História da Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 338-340.

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