"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 31 de março de 2016

Xica da Silva

Festival do rei, Rio de Janeiro, ca. 1770. Ao pintar o Brasil à época da mineração, Carlos Julião acabou criando referências sobre a moda e condições sociais dos escravos 

O filme [produção brasileira de 1976] narra a história de Xica da Silva, uma escrava que foi amante do contratador de diamantes João Fernandes. Suas aventuras desenvolvem-se no século XVIII, no momento em que o Arraial do Tijuco (atual Diamantina) era palco da exploração mineradora. O filme trata, nesse cenário, dos contrastes e contradições do sistema colonial.

O diretor do filme [Cacá Diegues] deu um tratamento especial ao tema. Utilizando-se do humor e de uma fina ironia, representou a sociedade escravocrata da época servindo-se da relação desses amantes. Xica é uma escrava, uma bela mulher negra, que conseguiu seduzir um nobre português, e recebeu dele inúmeros presentes: um belo casarão, roupas, jóias e até um lago e um navio. Viveu como uma rainha. Tece bens e exerceu o poder, ao contrário de todas as outras mulheres negras da época, escravizadas, e das mulheres brancas, ricas e pobres. João Fernandes, por sua vez, perdeu tudo, em consequência dessa "desastrosa" paixão.

O cenário em que se desenvolve a trama é a representação dos aspectos básicos da vida colonial, plena de contradições. A primeira delas é entre a cidade e o campo. O arraial, formado em consequência da exploração de diamantes, é uma vila da arquitetura barroca, com seus casarões e igrejas. Produto da riqueza propiciada pela mineração, é também lugar de contrastes, pois ao lado dos casarões dos mineradores e funcionários da Coroa, havia as casas simples dos homens livres, em ruelas estreitas e pobres.


Escravos negros lavrando diamantes. Ilustração do século XIX, artista desconhecido

Nesse cenário urbano, as mulheres cuidavam das casas e frequentavam a igreja, e os homens dedicavam-se ao trabalho produtivo e à administração. Toda essa riqueza resultava da exploração das minas de diamantes, distantes do centro administrativo. Lá, um grande número de escravos trabalhava e produzia a riqueza apropriada pelos portugueses.

Outros contrastes estão na base da sociedade colonial: a oposição entre brancos e negros, entre senhores e escravos e entre homens e mulheres. O casal de amantes rompe com essa ordem e a inverte. A trama apresenta Xica da Silva como aquela que pode pelos seus atributos femininos, subverter essa "ordem", desnaturalizando as relações de dominação quando escraviza homens e mulheres, brancos e negros. Mas termina com o retorno de João Fernandes a Portugal e de Xica à condição primordial, ou seja, de escrava.

PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza; CARVALHO, Yone de. História do mundo ocidental. São Paulo: FTD, 2005. p. 222-3.

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