"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 14 de junho de 2016

Cultura erudita na Baixa Idade Média

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A Igreja monopolizava o mundo intelectual. Ela foi a representante da chamada cultura erudita, da cultura letrada. Os clérigos monopolizaram a cultura escrita, pelo menos até o século XII, com o latim, que se tornou a "língua oficial" da Igreja. Na Alta Idade Média, a cultura clerical teve grande impulso com a renovação cultural promovida por Carlos Magno, conhecida por Renascimento Carolíngio. Ampliou-se o sistema de ensino com a criação das escolas eclesiásticas, voltadas para a formação de futuros clérigos, e das escolas paroquiais. Gramática, retórica, dialética, aritmética, geometria, astronomia e música - as chamadas "sete artes liberais" - foram as disciplinas a partir das quais se organizou o ensino.

Também neste período os mosteiros tiveram um papel importante na preservação da cultura clássica. Através das mãos dos hábeis copistas, muitos autores da Antiguidade foram transcritos para as bibliotecas dos mosteiros, algumas até abrigando cerca de mil livros. A influência dos monges nas artes e na cultura medieval foi significativa [...].

A partir do século XII, em meio às novas transformações do mundo medieval [...] começaram a surgir escolas dentro das cidades. Foram as escolas urbanas, dentro das catedrais, originárias das escolas episcopais. Inaugurava-se um novo tipo de ensino, reunindo-se grupos de discípulos ao redor de um mestre, comentando e analisando textos e livros de algum ramo do saber. Aos poucos, estas escolas foram se tornando corporações de mestres e alunos, originando as universidades.


Detalhe de uma miniatura de um mestre e alunos. 
Gautier de Metz, 1464

Algumas surgiram espontaneamente, como foi o caso de Bolonha, na Itália, em 1158, congregando várias escolas existentes, e a de Paris, em 1200; outras nasceram de dissidências internas, como a de Cambridge (Inglaterra), surgida a partir de Oxford, em 1209, e por fim, aquelas que foram criadas por bulas imperiais ou papais, como foi o caso de Coimbra (Portugal), em 1290. Inicialmente, o aluno estudava por seis anos as artes liberais e depois escolhia uma das grandes áreas do saber: Direito, Medicina ou Teologia.

Num mundo onde a imensa maioria da população era iletrada, a arte, sob a forma de pintura, escultura, arquitetura, mosaicos e vitrais, foi uma forma ímpar de veiculação de ideias, valores e dogmas religiosos. A arte medieval era pedagógica, com a finalidade de incutir valores, e não pura e simplesmente pelo seu valor estético.

A arte românica, característica dos séculos XI e XII, surgida no sul da França e na Itália, era típica das ordens monásticas de início da Baixa Idade Média, particularmente da ordem de Cluny. Os edifícios eram de pedra, com poucas janelas, paredes grossas, arcos nas portas e teto em forma de abóboda. O estilo gótico, que sucedeu o românico, predominou dos séculos XII ao XV. Utilizado pela primeira vez pelo italiano Vasari, no século XVI, para designar esta nova estética, o termo "gótico" tinha uma conotação negativa, significando "bárbaro", "grosseiro", tal qual a concepção pejorativa da Idade Média característica do Renascimento europeu.

O gótico correspondeu às grandes mudanças que marcaram o Ocidente Europeu a partir do século XI: o crescimento populacional, o desenvolvimento do comércio, da circulação monetária e das cidades. Essa arte foi tipicamente urbana e sua expressão mais significativa se deu através da construção das catedrais.

A cidade era um mundo em efervescência, aglomerando novas profissões e dinheiro. Era lugar de abundância, de comércio. Embora tivesse gerado pobreza, miséria, a cidade se erguia imponente como o lugar do burguês, do mercador. No século XII, o cristão do mundo urbano se lembrou que os ricos tinham poucas chances de entrar no Reino dos Céus e salvarem sua alma, Por isso, era preciso dar pelo menos uma parte do que possuíam, e assim foram financiando as catedrais, com o dinheiro da burguesia nascente.

Uma das características mais marcantes da catedral gótica foi a luminosidade. A luz que a invadia tinha um sentido pedagógico e uma carga simbólica: demonstrar a presença de Deus. Afinal, Deus era a luz, e, em tudo que espelhasse luz, Ele lá estaria. A catedral gótica deveria refletir a irradiação divina, com a utilização de materiais brilhosos no seu interior. A decoração interna era rica, com imagens de santos, pinturas, esculturas, além dos objetos do rito litúrgico.

Os vitrais - vidraças coloridas ou pintadas - foram excelentes veículos para ensinar aos homens a glória do poder divino. Ali se materializavam a história de Jesus Cristo e seus apóstolos, da Virgem Maria, passagens bíblicas etc. [...]

[...]

A partir do século XII, o Ocidente medieval já desfrutava de várias traduções do grego e do árabe para o latim, tendo contato com obras clássicas, como a de Aristóteles e outros autores ligados às áreas da medicina, filosofia, matemática, química e astronomia. No século XIII, a geografia e a cartografia se desenvolveram em função das viagens empreendidas ao Oriente por homens como Pierre D'Ailly e Marco Polo.

No plano da filosofia o grande destaque foram Alberto Magno (1200-1280) e Tomás de Aquino (1224-1274), representantes da corrente filosófica denominada de Escolástica, que buscou uma harmonia entre a fé e a razão, com base no pensamento de Aristóteles.

CALAINHO, Daniela Buono. História medieval do Ocidente. Petrópolis: Vozes, 2014. p. 105-9 e 111.

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