"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Família e sexualidade na Europa Medieval: a sacralização do casamento

O casamento de Arnolfini,  1434, Jan van Eyck

O conflito entre o clero e a nobreza teve início na fase de desagregação do império carolíngio e se acentuou no século XI, quando o papa Urbano II empreendeu um movimento de reforma na Igreja. Ele se empenhou em combater os maus costumes do clero, principalmente o gosto pelos prazeres do mundo e, sobretudo, pelas mulheres.

[...]

Antes, até o final do século IX, o parentesco era sobretudo horizontal, estabelecendo um grupo formado por parentes consanguíneos e os seus aliados, congregando duas ou três gerações. Nesta forma de estrutura familiar, os homens e as mulheres estavam no mesmo plano.

No decorrer do século X e da primeira metade do XI esse modelo foi substituído por outro, no qual se privilegiava a verticalidade. Recordava-se cada vez mais um maior número de mortos em direção a um antepassado fundador da família. Cada família de nobres imitava, assim, as próprias dinastias de reis.

Nesse novo modelo, o chefe de família reforçava o seu controle sobre os casamentos. Facilitava o matrimônio das mulheres e dificultava o dos homens, pois este aumentaria os laços familiares por via masculina no sentido horizontal. Tentava-se, assim, concentrar o patrimônio nas mãos do primogênito. Foram colocados limites aos direitos de herança e extinguiu-se o antigo direito da mulher de doar bens.

Por esse costume, as mulheres da casa recebiam uma parte do patrimônio, que se transmitia de mãe para filha e de tia para sobrinha. Antes do casamento, também o noivo dava um patrimônio à futura esposa, do qual podia dispor livremente e que lhe garantia o sustento na viuvez ou quando fosse vítima de repúdio. Também esse costume se extinguiu lentamente. O poder e a propriedade se concentravam nas mãos do marido.

O primogênito devia se casar e dar continuidade à família, mas não os irmãos mais novos. Esses eram muitas vezes destinados à carreira eclesiástica ou enviados para longe para buscarem glória e fortuna. A esperança era encontrar uma herdeira, uma filha sem irmãos. Alguns não primogênitos chegavam a ser assassinados.

Essa prática criou uma série de pequenas dinastias rivais e manteve fixo o número de casas aristocráticas.

A mulher ficou mais estreitamente submetida ao homem, mas acentuou-se o medo que as esposas inspiravam aos seus maridos. Era um outro sangue introduzido na casa. Pelo veneno ou pelo adultério, ela poderia comprometer a perpetuação de uma estirpe.

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Aos poucos o conflito foi dando lugar a uma adaptação, uma acomodação entre a nobreza e a Igreja. Com isso o casamento passou para a esfera do sagrado e foi submetido ao controle da instituição eclesiástica.

O movimento reformista católico do século XI visava basicamente a uma mudança nos costumes dos leigos e do clero. Foi uma verdadeira guerra contra o que era considerado vício. Procurou-se impor aos clérigos a sempre pregada abstenção do sexo e aos leigos a moderação, o comedimento.

[...]

O discurso que colocava o homem acima da mulher estabelecia também a submissão dos leigos ao clero, do temporal ao espiritual. Determinava celibato para o clero e casamento sob a autoridade da Igreja para os leigos.

O movimento de renovação acabou em uma definição do matrimônio como monogâmico, indissolúvel e sagrado.

PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 229-230.

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