"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O sexo das mulheres: desejo e homossexualidade (Parte 4)

O sono, Gustave Courbet

A descoberta do prazer feminino é antiga. Os cavaleiros da Idade Média temem o leito e a mulher insaciável que não estão certos de poder satisfazer, segundo Georges Duby. O Renascimento favorece esse reconhecimento do desejo. Os médicos detectam um líquido feminino, que seria sinal de gozo e que ajuda a reprodução. A corte dos Valois era propícia às experiências de todos os tipos e mesmo às palavras para dizê-los.

O desejo das mulheres se expressa em certos textos da Idade Média e mais ainda do Renascimento, como as poesias eróticas de Pernette du Guillet. As mulheres galantes, cuja vida é evocada por Brantôme, sabem gozar do sexo. Segundo Pierre Camporesi, Catherine Sforza vangloriava-se de tomar posições favoráveis ao orgasmo, palavra não utilizada, embora não se ignorasse a coisa, que é preciso buscar no eufemismo e nas expressões da linguagem poética.

O século XVII da Contrarreforma e do jansenismo é cheio de pudores. A libertinagem do século XVIII é sobretudo masculina, como o erotismo do século XIX. [...]

Fala-se ainda menos da homossexualidade feminina, em razão dos tabus que a dissimulam. A tal ponto que Marie-Jo Bonnet, uma de suas primeiras historiadoras, quase renunciou à tarefa de estudá-la, tendo encontrado tão somente raros testemunhos literários (como Lélia de George Sand, que causou escândalo ao ser publicado), recorrendo mais tarde à imagem para decifrá-la. As meninas, entretanto, não ignoram a excitação do coração e do corpo, sobretudo nos pensionatos ingleses, mais livres, que foram estudados por Caroll Smith-Rosenberg.

O beijo, Henri de Toulose-Lautrec

Tudo muda por volta de 1900. "Naquele tempo, Safo ressucitou em Paris", escreve Arsêne Houssaye. As "Amazonas de Paris" - Natalie Clifford Barney, Renée Vivien, Colette e muitas outras - reencontram os caminhos de Lesbos e animam, na rive gauche, círculos literários livres e refinados. É o tempo das "raparigas em flor", que atormentam o narrador proustiano.

A guerra separa e fere os casais. Ela autoriza inúmeras descobertas sexuais, não raro dramáticas. Radclyfe Hall evoca esses sofrimentos identitários em The Well of Loneliness (1928). Os "Anos Loucos" marcam, nas grandes capitais europeias, a explosão de uma homossexualidade muito mais alegre e liberada, na qual as lésbicas estão muito presentes. Virgínia Woolf, Violette Trefusis e seus amigos do grupo de Bloomsburry, Gertrude Stein, Romaine Brooks, Adrienne Monnier e Sylvia Beach são as personalidades mais conhecidas. Sabemos que elas se amavam, que tinham prazer em estar juntas, que aliavam gozo e criação. Não muito mais que isso.

Na cama, Henri de Toulose-Lautrec

A expressão de um erotismo feminino, ou mesmo de uma pornografia, é, em suma, um fenômeno recente, que atingiu o romance (Virginie Despentes, Catherine Millet) e principalmente o cinema (Catherine Breillat).

Rosa ou negro, rosa e negro, o continente da sexualidade feminina continua uma terra desconhecida, um universo por explorar.

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2013. p. 67-8.

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