"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 5 de março de 2017

As terras sagradas dos apaches

Acampamento dos índios Crow, Joseph Henry Sharp

Aqui, no vale onde nasce o rio, entre as altas rochas do Arizona, está a árvore que deu abrigo a Jerônimo há trinta anos. Ele acabava de brotar do ventre da mãe e foi enviado numa manta. Penduraram a manta num galho. O vento acalentava o menino, enquanto uma voz suplicava à árvore:

- Que viva e cresça para ver te dar frutos muitas vezes.

Essa árvore está no centro do mundo. Parado à sua sombra, Jerônimo jamais confundirá o norte com o sul nem o mal com o bem.

Ao redor abre-se o vasto país dos apaches. Nessas toscas terras vivem desde que o primeiro deles, o filho da tormenta, vestiu as plumas da águia que tinha vencido os inimigos da luz. Aqui jamais faltaram animais para caçar, nem ervas para curar os enfermos, nem cavernas rochosas onde jazer depois da morte.

Uns estranhos homens chegam a cavalo, carregando longas cordas e muitos bastões. Têm a pele como se fosse dessangrada e falam um idioma jamais ouvido. Cravam na terra sinais coloridos e fazem perguntas a uma medalha branca que lhes responde movendo uma agulha.

Jerônimo não sabe que esses homens vieram medir as terras apaches para vendê-las.

GALEANO, Eduardo. Memória do Fogo: As caras e as máscaras. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 461-2.

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